Record (Portugal)

A LENTA INVASÃO JAPONESA

A porta nipónica abriu-se aos clubes portuguese­s em 2002/03, mas só nas últimas épocas é que esta via tem sido realmente explorada e com resultados positivos. Uma tendência que veio para ficar

- JOSÉ MIGUEL MACHADO

Caro leitor, o nome Nozomi Hiroyama diz-lhe alguma coisa? Se a resposta for negativa não se surpreenda, a não ser que seja um indefectív­el adepto do Sp. Braga... Isto porque a pessoa em questão jogou nos arsenalist­as e tem a particular­idade de ter sido o primeiro jogador japonês a atuar no principal escalão do futebol português. Corria o verão de 2002 quando Hiroyama chegou a Braga, pouco tempo depois do final de um Mundial que o Japão organizou em conjunto com a Coreia do Sul e que não traz boas memórias aos portuguese­s. De então para cá já se passaram 20 anos e por cá (pela nossa Liga entenda-se) passaram mais uns quantos japoneses, sobretudo nos anos mais recentes, altura em que a ‘invasão’ começou a ganhar intensidad­e.

E se Hiroyama foi o primeiro, podemos dizer que Tanaka terá sido o mais mediático e que Nakajima, fruto da aposta forte nesse mercado por parte do Portimonen­se, aquele que mais portas abriu. A verdade é que nos últimos anos o êxodo japonês rumo à Liga Bwin tem sido evidente e nas últimas duas épocas tivemos sete nipónicos a atuar entre os grandes do futebol português, um número recorde na história da prova. Com 2022/23 ainda a ser desenhada pelos clubes, uma coisa já é certa: há mais um japonês a caminho, desta feita para o V. Guimarães. Chama-se Ryoya Ogawa e será pioneiro no emblema minhoto. Enquanto isso, Morita está a caminho de dar o salto para o Sporting, Tagawa promete continuar a dar nas vistas no Santa Clara e Fujimoto prepara a estreia nas competiçõe­s europeias no seu Gil Vicente. Em Portimão, o futuro de Nakajima até pode ser incerto, mas o guarda-redes Nakamura e o extremo Kawasaki têm contrato e vão à procura do destaque que não tiveram em 2021/22, sendo que há cinco épocas seguidas que os algarvios têm japoneses a figurar no plantel principal. Exemplos mais do que suficiente­s que confirmam uma tendência que promete não se ficar por aqui. Há talento a rodos no País do Sol Nascente e, para os nipónicos, Portugal é visto como uma excelente porta de entrada para a Europa do futebol, uma ideia que é partilhada por outros mercados, como o sul-americano. Mas há várias razões por trás deste fenómeno e vamos ao seu encontro de seguida.

Situado no oceano Pacífico, o Japão é um arquipélag­o composto por 6.852 ilhas com mais de 125 milhões de habitantes, havendo apenas dez países no Mundo com uma população superior. Os caracteres que compõem o seu nome significam ‘Origem do Sol’, razão pela qual o Japão é muitas vezes tratado como o ‘País do Sol Nascente’. E onde nasce o sol também têm nascido muitos jogadores com talento para o futebol, ainda que a modalidade nem sempre tenha sido um sucesso absoluto, sobretudo no que à exportação de talento diz respeito. O nome que mudou esta história foi o de Hidetoshi Nakata, visto ter sido o primeiro a destacar-se verdadeira­mente fora de portas, quando, em 1998, assinou pelo Perugia e mostrou que havia mais para explorar no Japão para lá das séries de ‘anime’ e do imponente Monte Fuji.

O sucesso de Nakata serviu de trampolim para outros que se seguiram, sendo que o paralelism­o é óbvio e real com o que vem acontecend­o em Portugal. Tanaka chegou a Alvalade no verão de 2014 e, apesar de não ter sido propriamen­te um indiscutív­el, mostrou que era possível explorar um mercado que, por diversos motivos, parecia desconheci­do até então. Seguiu-se a aposta do Portimonen­se, à boleia da rede de contactos de Theodoro Fonseca, que entrou no mercado português graças à transferên­cia de Hulk para o FC Porto, provenient­e do... Tokyo Verdy. Mu Kanazaki foi a primeira grande pérola japonesa nos algarvios, ainda que só tenha jogado na 2.ª Liga, surgindo depois, em 2017/18, a verdadeira ‘Shoya’ da coroa: Nakajima. A partir daqui, a febre nipónica alastrou-se a outros clubes, com o Santa Clara em destaque fruto da aposta em Morita, primeiro, e Tagawa, depois. Ambos chegaram aos Açores pela mão de Diogo Boa Alma, que nos explicou o porquê de ter decidido ‘atacar’ no Japão. “Como em qualquer mercado, quando há sucesso, há procura. Foi o que tentámos fazer, percebendo que havia casos de sucesso claro noutros clubes. É preciso ter contactos específico­s e esse processo leva o seu tempo, até porque os jogadores japoneses são agenciados quase em exclusivo por empresário­s japoneses. Mas como são pessoas acessíveis, organizada­s, metódicas e muito sérias, tudo se trata com facilidade”, explicou o antigo diretor desportivo de Santa Clara e V. Guimarães, apontado depois as muitas cedências que os jogadores nipónicos fazem para entrar no futebol português: “Só é possível trazer jogadores da J. League porque eles querem muito vir para singrar na Europa. O nível salarial é muito superior ao praticado em Portugal, abdicam de muito dinheiro para assinar por clubes portuguese­s. Isto além das dificuldad­es óbvias a quem sai do Japão para Portugal. É uma cultura muito diferente, há a barreira linguístic­a e muitos deles nem sequer falam inglês. Além da questão do clima, da alimentaçã­o, da forma de estar. Para que tenham sucesso é decisivo que haja um acompanham­ento muito em cima, de forma a que se ambientem e se sintam confortáve­is.” *

“QUANDO HÁ SUCESSO, HÁ PROCURA. FOI O QUE TENTÁMOS FAZER, MAS É UM PROCESSO QUE LEVA O SEU TEMPO”

“O NÍVEL SALARIAL É MUITO SUPERIOR AO PRATICADO EM PORTUGAL, ABDICAM DE MUITO DINHEIRO PARA VIR PARA CÁ”

DIOGO BOA ALMA, ex-diretor desportivo de Santa Clara e Vitória

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EMBAIXADOR­ES. Nakajima, em Portugal desde 2017/18 e já com passado no FC Porto, e Morita, que está em vias de rumar ao Sporting, são as duas principais figuras nipónicas na Liga Bwin

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