Jornada inacabada com susto no final
A quinta maratona do ano trouxe uma experiência que nunca antes tinha vivido
çMais de um mês passou do dia em que corri esta maratona, mas os acontecimentos daquele dia continuam vivos na minha memória. Porque foi uma experiência pela qual nunca tinha passado e, confesso, nunca pensei viver. Aos 41 quilómetros, numa prova que vinha sendo tranquila, um corredor búlgaro surgiu totalmente desorientado à minha frente. Claramente fora de si, o corredor, de nome Georgi, deambulava de um lado ao outro
EM CIMA DOS 41 QUILÓMETROS, UM CORREDOR BÚLGARO COLAPSOU À MINHA FRENTE. FORAM MOMENTOS DE PÂNICO...
da estrada. Quando me aproximei, percebi que algo não estava certo. Pedi-lhe para se acalmar, para parar. Ele não me fez caso. Tentou continuar a correr. Amparei-o, segurei-o em ombros com a ajuda de um outro corredor que se aproximou. Foi um dos outros quatro que decidiu parar, que decidiu esquecer a sua prova e auxiliar um companheiro de aventura, o qual, mesmo desconhecido, merecia toda a atenção do mundo. Nem que fosse uma prova para recorde, estava ali uma vida em jogo e tínhamos de fazer o possível para tentar prevenir algo grave. Não temos todos de parar para ver o que se passa, mas não posso deixar de notar um pouco de tristeza por ter visto vários corredores, naquele momento inicial, a ignorarem a situação. Com a ajuda desse outro corredor, ainda tentámos levá-lo em diante, achando que iríamos ser capazes de fazer mais de um quilómetro com alguém em ombros. É, também não estávamos muito bem da cabeça... Um minuto depois, parámos. Ali ficámos à espera da equipa médica, que chegou cinco minutos volvidos. Mais dez e apareceu a ambulância, finalmente! Pareceram horas, mas foram ‘apenas’ 15 minutos. Em defesa da organização, assumo que o dia foi complicado, por causa do calor que deu trabalho extra a todos, mas também pelo próprio local onde tudo aconteceu (num túnel). Soube depois que o calor tinha tido parte da culpa. Sofreu um episódio de desidratação, porque decidiu fazer a maratona sem beber.. Felizmente que tudo correu pelo melhor e o Georgi, com quem troquei mensagens nos dias depois, encontra-se de saúde e de Praga pode ter levado um susto, mas também uma lição para a vida. Fazer maratonas sem beber não é boa ideia...
Então e o resto da prova?
Este relato é diferente do habitual – tinha de ser. Porque este espaço, mais do que destacar o feito de um jornalista que corre maratonas, deve servir para consciencializar, para mostrar que tudo é possível, desde que haja cuidado. Posso estar numa jornada louca para muitos (não os condeno!), mas o respeito pela distância e desafio são máximos. Em Praga não foi diferente. A única diferença foi o final. Sem o sorriso rasgado pela conquista, sem o punho cerrado, sem bandeira. O pensamento estava na saúde do corredor que ficara lá atrás. Por isso cruzei a meta, recolhi a medalha e fui à minha vida. E isso faz-me ter o desejo de voltar. Para cruzar aquela meta como deve ser. O plano é fazê-lo em 2023, de preferência com o Georgi a meu lado. E desta vez vai beber água. Ai vai, vai!
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