Record (Portugal)

Jornada inacabada com susto no final

A quinta maratona do ano trouxe uma experiênci­a que nunca antes tinha vivido

- FÁBIO LIMA

çMais de um mês passou do dia em que corri esta maratona, mas os acontecime­ntos daquele dia continuam vivos na minha memória. Porque foi uma experiênci­a pela qual nunca tinha passado e, confesso, nunca pensei viver. Aos 41 quilómetro­s, numa prova que vinha sendo tranquila, um corredor búlgaro surgiu totalmente desorienta­do à minha frente. Claramente fora de si, o corredor, de nome Georgi, deambulava de um lado ao outro

EM CIMA DOS 41 QUILÓMETRO­S, UM CORREDOR BÚLGARO COLAPSOU À MINHA FRENTE. FORAM MOMENTOS DE PÂNICO...

da estrada. Quando me aproximei, percebi que algo não estava certo. Pedi-lhe para se acalmar, para parar. Ele não me fez caso. Tentou continuar a correr. Amparei-o, segurei-o em ombros com a ajuda de um outro corredor que se aproximou. Foi um dos outros quatro que decidiu parar, que decidiu esquecer a sua prova e auxiliar um companheir­o de aventura, o qual, mesmo desconheci­do, merecia toda a atenção do mundo. Nem que fosse uma prova para recorde, estava ali uma vida em jogo e tínhamos de fazer o possível para tentar prevenir algo grave. Não temos todos de parar para ver o que se passa, mas não posso deixar de notar um pouco de tristeza por ter visto vários corredores, naquele momento inicial, a ignorarem a situação. Com a ajuda desse outro corredor, ainda tentámos levá-lo em diante, achando que iríamos ser capazes de fazer mais de um quilómetro com alguém em ombros. É, também não estávamos muito bem da cabeça... Um minuto depois, parámos. Ali ficámos à espera da equipa médica, que chegou cinco minutos volvidos. Mais dez e apareceu a ambulância, finalmente! Pareceram horas, mas foram ‘apenas’ 15 minutos. Em defesa da organizaçã­o, assumo que o dia foi complicado, por causa do calor que deu trabalho extra a todos, mas também pelo próprio local onde tudo aconteceu (num túnel). Soube depois que o calor tinha tido parte da culpa. Sofreu um episódio de desidrataç­ão, porque decidiu fazer a maratona sem beber.. Felizmente que tudo correu pelo melhor e o Georgi, com quem troquei mensagens nos dias depois, encontra-se de saúde e de Praga pode ter levado um susto, mas também uma lição para a vida. Fazer maratonas sem beber não é boa ideia...

Então e o resto da prova?

Este relato é diferente do habitual – tinha de ser. Porque este espaço, mais do que destacar o feito de um jornalista que corre maratonas, deve servir para conscienci­alizar, para mostrar que tudo é possível, desde que haja cuidado. Posso estar numa jornada louca para muitos (não os condeno!), mas o respeito pela distância e desafio são máximos. Em Praga não foi diferente. A única diferença foi o final. Sem o sorriso rasgado pela conquista, sem o punho cerrado, sem bandeira. O pensamento estava na saúde do corredor que ficara lá atrás. Por isso cruzei a meta, recolhi a medalha e fui à minha vida. E isso faz-me ter o desejo de voltar. Para cruzar aquela meta como deve ser. O plano é fazê-lo em 2023, de preferênci­a com o Georgi a meu lado. E desta vez vai beber água. Ai vai, vai!

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