Record (Portugal)

Mundialito 1980: a outra prova inconvenie­nte de seleções

- Filipe Alexandre Dias Editor executivo

çO Mundial do Qatar incomoda muita gente. Pela calendariz­ação, por razões humanitári­as, mas é uma polémica longe de ser nova no panorama de provas de seleções. Entre 30 de dezembro de 1980 e 10 de janeiro de 1981, o Uruguai recebeu – e venceu! – o Mundialito, a Copa de Ouro, um torneio com a chancela da FIFA a pretexto da comemoraçã­o dos 50 anos do Mundial, cujo primeiro anfitrião e campeão fora também o esquadrão celeste. O torneio reuniu todas as seleções campeãs mundias. Mas nem todas foram a uma prova episódica, inconvenie­nte... e libertador­a.

As críticas ao Mundial no Qatar continuam a ressoar pelo globo. A razão? Não é uma só. A FIFA deu a bênção a um país-organizado­r onde o calor é abrasador; o dinheiro é gasto de forma faraónica e os direitos humanos valem tanto quanto uma casca de tremoço. Há quase 42 anos, a cantiga não destoava. O Uruguai, no hemisfério sul incandesce­nte, vivia acorrentad­o pela ditadura militar numa América do Sul que sangrava com a opressão: Brasil, Argentina, Chile e Paraguai viviam sob a mesma mordaça. Pouco impression­ada com o panorama e com o calendário, a Inglaterra declinou o convite – foi rendida pela Holanda, então ‘bi-vice-campeã’ mundial, que se fez à prova com Uruguai, Itália, Alemanha Ocidental, Brasil e Argentina.

As equipas levaram o torneio a peito e não pouparam na artilharia, levando as armas mais pesadas. O regime uruguaio viu na atribuição da prova uma forma de autopromoç­ão, tal como a vizinha Argentina dois anos antes, mas essa bola bateu numa barreira chamada povo.

Dividida em dois grupos, a competição decorreu a bom futebol. Uruguai e Brasil venceram as respetivas séries e encontrara­m-se na final com notas interessan­tes de premeio.

Maradona marcou o seu único golo ao Brasil, que já era a base do coletivo canarinho que capturaria o imaginário do planeta em 1982; a Alemanha de Rummenigge foi desmembrad­a (4-1) justamente pelos brasileiro­s.

Na final, prevaleceu a raça charrúa (que deu o nome à mascote) e o Brasil caiu no Estádio Centenário: o Uruguai ganhou 2-1, mas os festejos foram tépidos. O público gritava: “’Se va a acabar, se va a acabar, la dictadura militar’.” Foram proibidos festejos nas ruas e até hoje o troféu é pouco lembrado no exterior. Para os uruguaios foi o início do fim do regime, que tombaria quatro anos depois.

Rodolfo Rodríguez, guardião com rosto de bandoleiro que armou uma briga tremenda num Benfica-Nacional Montevideu em 1978, depois passou pelo Sporting sem deixar saudades. São as mesmas que não tem da forma como foi encarado o troféu que ergueu como capitão: “Não houve nem um churrasco para comemorar...” E nunca mais houve mundialito­s para ninguém.

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