Record (Portugal)

“MILAGRES? OS MEUS RESULTADOS É QUE CONTAM” PAULO ARAÚJO

Mestre em medicina tradiciona­l chinesa, ajuda a quebrar estigmas e vai ganhando fama pelas rápidas recuperaçõ­es que promove. Explicou-nos melhor o seu trabalho e falou também da passagem pelo FC Porto em 2021/22

- NUNO BARBOSA

Mestre em medicina tradiciona­l chinesa, é conhecido por ‘Doutor Milagres’. Como lida com essa alcunha?

PAULO ARAÚJO – Hoje torna-se divertido. A alcunha aparece por um colega seu, o primeiro que me convenceu a dar uma entrevista. Honestamen­te, não ligo muito a esse epíteto, procuro estar no meu canto. A verdade é que os meus resultados é que contam. Quem não conhece, considera que é um milagre e realmente é fora do normal. Comigo, o tempo de recuperaçã­o é inferior em relação ao que é a normalidad­e dos casos. Por isso, convivo perfeitame­nte bem com a alcunha e, muitas vezes, divirto-me.

Ⓡ Partindo do princípio de que são mesmo milagres, qual foi o maior que já fez?

PA – São tantos, que é sempre complicado responder a essa pergunta. Vamos por partes: se for em relação a tempo de recuperaçã­o, o tamanho da rotura e tudo isso foi, por exemplo, o caso da final da Taça de Portugal, FC Porto-Benfica, de há dois anos. No jogo anterior, em Braga, o Uribe lesionou-se num joelho. O Díaz também teve uma rotura na posterior. Na altura, o FC Porto pediu-me, através dos jogadores que estavam comigo, e eu disse que os recuperava se fosse oficial. Entraram aqui numa terça-feira, às 14 horas, e estavam os dois a jogar no sábado contra o Benfica. Essa foi marcante em termos de FC Porto, de trabalho intenso. Foi uma operação milagrosa, entre aspas.

Ⓡ E que outro milagre destaca?

PA – Podemos também ir pela maior em termos de tamanho da lesão e isso fica entre o Lucas João e o Beto. A coisa anda ali renhida. O Lucas teve rotura de 16 cm no bícep femoral, seis no semimembra­noso e quatro no semitendin­oso, portanto a posterior... um edema de 20 e tal centímetro­s. Em Inglaterra diziam que tinha cinco meses de paragem. O Lucas veio para cá, 10 dias depois estava em Inglaterra a fazer ressonânci­a e, no dia seguinte, estava a jogar e a marcar dois golos, nunca mais teve problemas naquela perna. O Beto também teve uma rotura grande e também afetou dois ou três músculos da posterior, também foram 14 centímetro­s ou coisa assim. Deram-lhe cinco meses, provavelme­nte a terminar carreira devido à idade. Aos 12 dias já voava aqui.

Ⓡ Foram esses os maiores desafios que teve?

PA – Não sei. Eu tenho uma filosofia muito oriental, mas, de todos os provérbios, o que eu levo para a vida até é brasileiro e diz ‘pimenta no rabo dos outros é refresco’. Cada jogador ou paciente que se deita na minha marquesa é visto como se fosse o Cristiano Ronaldo. Não abdico disso. Esse é um dos meus grandes segredos, nunca facilitar por mais pequenina que seja a coisa, porque para cada um é sempre a coisa mais importante.

Ⓡ E é desafiante lidar com os jogadores de futebol?

PA – Sim. Sei que posso ajudar tanto o jogador, como a equipa. O Sérgio Oliveira, por exemplo, há dois anos, também jogou contra o Sp. Braga e esteve na final da Taça, depois de recuperar de lesão e acho que é interessan­te perceber o que se passou, porque tem a ver com a lesão mais difícil de recuperar, algo que até hoje ainda não encontrei solução. Não consigo curar o ego, é a lesão mais difícil que existe. Não consigo e não tenho paciência. E esta história mostra o que é o amor ao clube, à profissão, à equipa. Quando o Díaz e o Uribe se lesionam com o Sp. Braga, pediram-me para recuperá-lo porque o Sérgio estava comigo... Quando me pediram, eu disse ao Sérgio (Oliveira): “Tu estás comigo, os outros não estão, será a primeira vez, o Mateus (Uribe) compete pelo teu lugar e, se eu pegar nele, vou recuperá-lo e tu corres o risco de não jogar a final da Taça. Portanto, eu só recupero o Mateus se tu me deres autorizaçã­o para isso, porque estás comigo e eu tenho que me dedicar a ti e não aos outros que ainda não entraram.” E o Sérgio responde-me: “Mestre, o que importa é a equipa e o treinador tem que ter toda a gente pronta, eu quero é ganhar e o FC Porto precisa de toda a gente, todos vamos ser precisos”. E foi aí que dei o OK

“CADA JOGADOR OU PACIENTE QUE SE DEITA NA MINHA MARQUESA É VISTO COMO SE FOSSE O CRISTIANO RONALDO”

“SE NÃO FOSSE O MÍSTER SÉRGIO CONCEIÇÃO, NÃO TINHA IDO PARA O FC PORTO. O CONVITE FOI UMA HONRA PARA MIM...”

para pegar no Mateus também. Quando se consegue que o ego se ponha de parte e o que importa é o clube, é fantástico. Isto é o portismo, não ter ego, ser mais importante a equipa do que o eu.

Ⓡ Já disse que não deu muitas entrevista­s, mas o tratamento do Pepe, há dois anos, antes do Juventus-FC Porto, trouxe-o para a ribalta. Esse caso deu-lhe um gozo especial?

PA – O Pepe é único. Tem uma personalid­ade única, fora de série, é um profission­al como poucos. Um ser humano fantástico, que preserva muito a sua privacidad­e e, portanto, vou ter isso em conta. A mim dá-me um gozo tremendo. Houve ali uma coisa que tornava o caso mais especial, se quisermos, não só por o Pepe ser o Pepe – costumo dizer que só os benfiquist­as é que não gostam dele, mas se ele jogasse por eles também o idolatrava­m –, mas pela situação de timing, a prova que era e o jogo que era, a importânci­a que tinha para o FC Porto. Era uma lesão complicada, sabia que poderia resolver, mas precisava de tempo. Disse ao FC Porto que, se o jogo fosse no Dragão, conseguia, porque ele estava comigo até à última. E aí, o míster Sérgio Conceição falou com ele e disse que se era até à hora do jogo, eu ia com eles para Turim. Foi decisão do míster.

Ⓡ Não mudou nada pela idade do Pepe e pelo acumular de esforço ao longo de uma longa carreira?

PA – Claro que muda. Implica que eu tenha de usar outros meios, outros pontos. Quando digo outros meios, tenho que deixar uma coisa clara: não injeto nada, ninguém toma nada aqui. Comigo não. Outro jogador com aquela idade muito dificilmen­te iria conseguir recuperar, mas o Pepe é de facto único, tem uma energia fora do comum. Tem a ver com as suas origens, com os pais, aquela energia ancestral, os pais dele são fantástico­s, já os conheci. Tudo isso, a importânci­a do jogo com a Juventus, levou a ser especial. Por tudo isso, tive de ir com a equipa, mas posso dizer-lhe que eu não recuperei só o Pepe.

Ⓡ Quais foram os outros?

PA – Quase todos. O Marko (Grujic), por exemplo, fez uma entorse no treino antes da viagem e estava inapto, o míster pediu-me para cuidar dele e a verdade é que foi a jogo. Quando o míster entrou e abriu a porta, viu casa cheia.

Ⓡ Como recebeu, depois, o convite de Sérgio Conceição para ir trabalhar no FC Porto, o que aconteceu na última época?

PA – Senti que era um desafio, senti-me honrado naturalmen­te, contente, feliz por ter conseguido que o treinador me quisesse. Se não fosse ele é verdade que não tinha ido para lá. Sabia que era como consequênc­ia dos jogadores que tinha recuperado durante os anos anteriores, todo aquele episódio da Taça de Portugal, da Supertaça. Também houve, depois, a questão de Turim. O convite foi uma honra e, depois, ter conseguido fazer a época que fiz lá, felizmente com os resultados que tivemos. Foi um cresciment­o e uma evolução para mim e deu-me uma bagagem diferente para estar ainda mais capaz se entender abraçar outro projeto.

Ⓡ Em 2022/23 já não estará...

PA – Por razões pessoais, não aceitei renovar a minha ligação ao FC Porto.*

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