Tudo o que vale a pena
ç“A Alemanha tinha feito melhor se não tivesse tapado a boca e ganhasse ao Japão. Estamos aqui para jogar futebol. Não estou aqui para mandar uma mensagem política.” As palavras são de Eden Hazard, o capitão da seleção belga. São as palavras mais tristes deste Mundial, para já. Confiemos que a coisa melhor. O futebol tem essa capacidade até porque foram muitas as vezes em que este jogo se alinhou corajosamente em defesa das democracias, dos mais elementares direitos e sem olhar a perigos. Até em Portugal aconteceu, imagine-se. Em 1938, um grupo de internacionais portugueses recusou-se a fazer a saudação nazi antes de um Portugal-Espanha. Em 1969, a Académica, finalista da Taça de Portugal, levou para o relvado e para as bancadas do Jamor os protestos de toda uma geração. O futebol saiu dignificado em 1938 e em 1969 porque esses jogadores antigos, ao contrário do que aconselha Hazard em 2022, estiveram “ali” para mandar uma mensagem política e não estiveram “ali” apenas para jogar futebol.
No estrangeiro aconteceu muitas vezes igual. Ainda hoje é reverenciado pelos adeptos bávaros como um símbolo de tudo o que vale a pena o nome de Kurt Landauer, o presidente do Bayern de Munique, um alemão de origem judaica que esteve prisioneiro no campo de concentração de Dachau e que voltaria, aclamado, à presidência do clube mal terminou a II Guerra Mundial. São factos. E também há lendas. A melhor de todas, embora carecendo de comprovação – por isso é uma anedota –, conta-nos como nos estádios do Mundial de 1970, no México, os oposicionistas do regime autocrático vigente provocavam as autoridades envergando camisolas vermelhas com as iniciais CCCP e se justificam perante a polícia jurando desconhecer a sigla da União Soviética pois só pretendiam apoiar a seleção mexicana e pensavam que CCCP seria, com certeza, a abreviatura de “Cucurrucucu Paloma”, a mais famosa ‘ranchera’ do país.
Triste Hazard que entende que o futebol não se deve meter em política desdenhando os louváveis comportamentos dos jogadores alemães, que se insurgiram contra medidas despóticas, e dos bravos jogadores iranianos solidários na luta
O JAPÃO GANHOU, MAS O QUE AS PESSOAS VÃO RECORDAR É O GESTO DESTA GERAÇÃO DE JOGADORES ALEMÃES
que lhes é possível contra o regime repressivo do seu país. É verdade, os japoneses ganharam por 2-1, mas daqui a alguns anos o que as pessoas vão recordar é o gesto desta geração de jogadores alemães que, ao contrário de Hazard, não foram “ali” apenas para jogar futebol.
Ganhámos ao Gana. O final foi um susto, mas foi muito agradável constatar que nenhum comentador na longa noite televisiva que se seguiu ousou desfazer o Diogo Costa a tratos de “barrete total” ou de “invenção dos empresários” ou de “produto” de uma qualquer “máquina de comunicação”. Estão todos de parabéns. Esta também é uma maneira de fazer política. Acredita, Diogo.