Record (Portugal)

“Estes são os meus princípios, mas…”

Apesar dos erros (sobretudo defensivos), Portugal dominou, criou oportunida­des, fez três golos e ganhou. Para início de festa não foi mau

- CARLOS DANIEL Jornalista RTP

çEscreveu Gil Vicente, “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”. Ocorre-me a frase perante a crítica de que faltou velocidade – para não falar da malfadada intensidad­e, que explica tudo – na estreia de Portugal no Qatar. Confunde-se jogar depressa com jogar com pressa e numa equipa imperfeita, como uma seleção sempre será, quanto mais pressa, provavelme­nte, pior. Ainda por cima perante um adversário que não saiu para a dança a não ser quando em desvantage­m, apenas à espera de um contra-ataque feliz. Não foi quando executou com paciência que Portugal correu riscos e sofreu golos, foi precisamen­te quando, em busca da vitória, tinha em campo uma equipa mais acelerativ­a.

Trata-se sempre de encontrar o equilíbrio e não é por ter havido óbvias imperfeiçõ­es que se deve confundir o todo com as partes. Se a velocidade que mais conta é a de pensamento e não de pernas, o que faltou a Portugal foi definir melhor alguns posicionam­entos para que a bola circulasse com mais critério e, ela sim, mais depressa. Bernardo Silva recuou vezes demais para o espaço em que Rúben Neves bastava e João Félix, fundamenta­l neste jogar mais audaz, tinha de estar menos vezes à esquerda. Desmontar a organizaçã­o defensiva ganesa, passava por ter mais gente no interior do bloco rival – e Bernardo e Félix são os melhores nisso – atraindo e ligando jogo por dentro, para que houvesse igualmente mais espaço por fora. Foi também por isso que os laterais portuguese­s desequilib­raram bem menos do que deveriam.

Depois há os que pedem laterais que defendam melhor ou um médio mais agressivo. Trata-se de pensar o jogo a partir do momento defensivo, o que não tem mal nenhum, apenas a curiosa ironia de reclamar do selecionad­or o que mais se criticava nele. Ainda por cima no momento em que é mais injusto, além de desfocado da realidade, classifica­r Fernando Santos como defensivo ou conservado­r. Por uma vez assumiu a multiplica­ção de talentos como prioridade e colocou em campo unidades ofensivas como nunca antes: dois laterais de vocação atacante, um 6 construtor, 3 médios criativos e mais 2 avançados declarados. O essencial será mesmo manter esse rumo de uma equipa necessaria­mente imperfeita, mas finalmente de vocação ofensiva. Groucho Marx dizia, numa tirada que adoro: “Estes são os meus princípios, mas se não gostarem tenho outros”. Por muito que uns quantos não gostem, espero mesmo que Fernando Santos mantenha os princípios. Até porque não é avisado alterá-los após um jogo em que, apesar dos erros (sobretudo defensivos), Portugal dominou, criou oportunida­des, fez três golos e ganhou. Para início de festa não foi mau.

PS: Sou mais um a curvar-se perante a memória de Fernando Gomes. Um enorme jogador, o melhor português que vi habitar a área antes de chegar Ronaldo, e um senhor que preferiu sempre o caminho do respeito reiterado ao do ódio gratuito.

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