“Estes são os meus princípios, mas…”
Apesar dos erros (sobretudo defensivos), Portugal dominou, criou oportunidades, fez três golos e ganhou. Para início de festa não foi mau
çEscreveu Gil Vicente, “mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube”. Ocorre-me a frase perante a crítica de que faltou velocidade – para não falar da malfadada intensidade, que explica tudo – na estreia de Portugal no Qatar. Confunde-se jogar depressa com jogar com pressa e numa equipa imperfeita, como uma seleção sempre será, quanto mais pressa, provavelmente, pior. Ainda por cima perante um adversário que não saiu para a dança a não ser quando em desvantagem, apenas à espera de um contra-ataque feliz. Não foi quando executou com paciência que Portugal correu riscos e sofreu golos, foi precisamente quando, em busca da vitória, tinha em campo uma equipa mais acelerativa.
Trata-se sempre de encontrar o equilíbrio e não é por ter havido óbvias imperfeições que se deve confundir o todo com as partes. Se a velocidade que mais conta é a de pensamento e não de pernas, o que faltou a Portugal foi definir melhor alguns posicionamentos para que a bola circulasse com mais critério e, ela sim, mais depressa. Bernardo Silva recuou vezes demais para o espaço em que Rúben Neves bastava e João Félix, fundamental neste jogar mais audaz, tinha de estar menos vezes à esquerda. Desmontar a organização defensiva ganesa, passava por ter mais gente no interior do bloco rival – e Bernardo e Félix são os melhores nisso – atraindo e ligando jogo por dentro, para que houvesse igualmente mais espaço por fora. Foi também por isso que os laterais portugueses desequilibraram bem menos do que deveriam.
Depois há os que pedem laterais que defendam melhor ou um médio mais agressivo. Trata-se de pensar o jogo a partir do momento defensivo, o que não tem mal nenhum, apenas a curiosa ironia de reclamar do selecionador o que mais se criticava nele. Ainda por cima no momento em que é mais injusto, além de desfocado da realidade, classificar Fernando Santos como defensivo ou conservador. Por uma vez assumiu a multiplicação de talentos como prioridade e colocou em campo unidades ofensivas como nunca antes: dois laterais de vocação atacante, um 6 construtor, 3 médios criativos e mais 2 avançados declarados. O essencial será mesmo manter esse rumo de uma equipa necessariamente imperfeita, mas finalmente de vocação ofensiva. Groucho Marx dizia, numa tirada que adoro: “Estes são os meus princípios, mas se não gostarem tenho outros”. Por muito que uns quantos não gostem, espero mesmo que Fernando Santos mantenha os princípios. Até porque não é avisado alterá-los após um jogo em que, apesar dos erros (sobretudo defensivos), Portugal dominou, criou oportunidades, fez três golos e ganhou. Para início de festa não foi mau.
PS: Sou mais um a curvar-se perante a memória de Fernando Gomes. Um enorme jogador, o melhor português que vi habitar a área antes de chegar Ronaldo, e um senhor que preferiu sempre o caminho do respeito reiterado ao do ódio gratuito.