Record (Portugal)

Paul Gascoigne e as lágrimas

que Inglaterra nunca secou

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çItália’90. Terá sido este o último Mundial em que a Inglaterra foi feliz. E nem a final do Euro’2020 se assemelhou ao sonho vivido há 32 anos. Há um sabor agridoce que não sai da boca dos três leões, que hoje entram em ação perante o Senegal, no Qatar. É que a sombra daquela noite em Turim tem dentes e ainda morde. As lágrimas derramadas na meia-final com a eventual campeã Alemanha ainda não secaram. Estão na consciênci­a coletiva. Mas falar disso é entrar pelo talento louco que fez Inglaterra levitar: Paul Gascoigne. Inglês algum correu, jogou, aprontou e chorou como ele, que logo depois partiu para uma viagem sem retorno. Na companhia do desconsolo.

Paul era uma alma torturada.

Assombrado por um trauma de infância – viu o melhor amigo ser atropelado, morrendo-lhe nos braços -, encontrou outro amigo no futebol. Fez-se um médio técnico, imprevisív­el, perigoso e já brilhava no Newcastle aos 17 anos. Mas a rebeldia de Gascoigne era notória: viciado em máquinas de jogos, roubava lojas e comia mal. Chamavam-lhe o “George Best sem cérebro”. Pretendido, prometeu a Alex Ferguson que iria para o Man. United, mas, a caminho de Old Trafford, decidiu seguir até Londres e só parou no Tottenham, a conselho do conterrâne­o Chris Waddle.

Gascoigne contagiou Londres: era a ‘Gazzamania’. O futebol e as peripécias de Paul tornaram-se parte do folclore. Roubou autocarros; arrancou numa autocarava­na com um amigo no tejadilho auto-estrada fora; levou uma avestruz para o treino; pontapeou o traseiro de mascotes; atirou gelados a ciclistas; quase despenhou um avião ao invadir um cockpit e mexer nos controlos... A vida com Gazza nunca era monótona.

No Itália’90, Gazza era o astro-rei de uma Inglaterra quase galática: Shilton, Pearce, Robson, Barnes, Platt, Waddle, Beardsley e Lineker. Gascoigne jogava barbaridad­es. Nas ‘meias’, desabou ao ver o amarelo que o excluía da final. A Inglaterra desabou com ele nos penáltis.

Depois, a tristeza chegou de vez e o álcool foi um falso amigo. Pelos spurs, na meia-final da FA Cup de 1991, anotou um dos mais devastador­es golos de livre que Wembley alguma vez viu, ao rival Arsenal, mas Gazza não celebrou a vitória na final contra o Forest, ao lesionar-se com gravidade. A partir daí, o seu fogo viveu de centelhas. Teve os seus momentos na Lázio, no Rangers, no Middlesbro­ugh e na Seleção, no Euro’96, mas a polémica, os fantasmas e o vício venceram.

Gazza tem a vida que levou estampada no rosto rosáceo, derrotado. Custa perceber o que diz, entre o seu sotaque ‘geordie’ e a gaguez de que sofre desde que viu o seu amigo morrer. As suas lágrimas em Turim nunca foram vingadas. Paul era o riso no jogo, mas, fica o aviso: no futebol, ninguém respeita mais o passado do que os ingleses... *

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