A arte do conflito
MAIS DO QUE OS ERROS ARBITRAIS E A FALTA DE ALTERNATIVAS CREDÍVEIS NO BANCO, O SPORTING PAGOU O ERRO DE ACHAR QUE JÁ SABE LIDAR COM O AMBIENTE ÁCIDO NO RELVADO. FOI ISSO QUE MAIS PESOU, A PAR DOS CONSERTOS FEITOS POR SÉRGIO CONCEIÇÃO
çComo era fácil de profetizar, a final da Taça da Liga terminou com uma querela enorme sobre as falhas cometidas por João Pinheiro, nada de absolutamente surpreendente se levarmos em conta que, no que respeita a erros de arbitragem, adeptos, dirigentes e jogadores, ou pelo menos uma boa parte deles, só guardam na memória o que lhes dói. Quase todos, incluindo alguns analistas, irão considerar, invariavelmente, que um lapso arbitral da largura de um fio de cabelo vai sempre causar um desvio de mil quilómetros na exatidão de um resultado e sobrepor-se às destrezas e aos deméritos dos jo- gadores e dos treinadores em contenda – isto, claro, se considerarem que o equívoco do árbitro lesou os interesses da sua equipa, porque na situação inversa assobiam para o lado.
E, antes que alguém se precipi-
te a descobrir nesta reflexão uma tentativa de branquear o que aconteceu em Leiria, importa deixar bem claro que João Pinheiro não fez jus, longe disso, ao status de melhor árbitro por- tuguês da atualidade. Valha a verdade que ainda pior do que ele esteve Tiago Martins, que, no remanso da Cidade do Futebol, foi incapaz de funcionar como a derradeira e mais importante rede protetora do árbi- tro principal, não justificando, desta vez, a aposta que vem sen- do feita nele como VAR. João Pi- nheiro falhou principalmente na gestão e nas providências disciplinares, porque a generali- dade das decisões técnicas foram aceitáveis (a falha mais relevante foi um livre perigoso que ficou por marcar, após falta de Wendell sobre Edwards). Apostou num critério largo, que noutras circunstâncias seria elogiável, mas que, face ao ambiente demasiado ácido no relvado, acabou por revelar-se contraproducente no plano dis- ciplinador. E, nesse âmbito, é ra- zoável que o Sporting se diga mais prejudicado. Porque João Mário devia ter visto o amarelo quando, aos 65’, travou uma jogada prometedora de Fatawu e principalmente porque o gesto belicoso de Wendell sobre Pote era passível de expulsão (a imagem televisiva não é a melhor, mas importa ter presente que a mera tentativa de agressão é punida com o cartão vermelho). Estavam então decorridos apenas 67 minutos, ou seja cerca de 12 antes de Paulinho ser (bem) expulso. O FC Porto poderá contrapor que Tanlongo e Matheus Reis também tinham de receber ordens de expulsão (o encostar de cabeça do defesa ao árbitro foi mesmo indescrití- vel e imperdoável), mas há uma diferença substancial relativamente à situação de Wendell: ambas aconteceram por volta dos 95’, no estertor do jogo.
Rúben Amorim foi astuto ao recusar-se a comentar a arbitragem, endossando essa responsabilidade para os peritos. Preferiu elogiar a exibição do Sporting no primeiro tempo e a injustiça que constituía a vantagem do FC Porto ao intervalo. Para a análise estar completa, só lhe faltou reconhecer que o FC Porto também assumiu uma postura mais cínica em função de ter marcado logo aos 10’ e que, no segundo tempo, melhorou e equilibrou rapidamente o jogo quando Sérgio Conceição mandou Galeno vigiar Porro em vez de pressionar alto. Poderia, claro, também queixar-se da falta de efetividade de um Sporting que teve três bolas no ferro e que mostrou estar preparado para lidar com o 4x2x3x1 portista em que Otávio surgia em terrenos interiores e Uribe baixava aqui e ali para o meio dos centrais, como já havia feito no duelo no Dragão. Na sua melhor fase, o Sporting teve, de facto, mais controlo e domínio, confirmando sentir-se mais cómodo nos jogos em que o adversário é tido por ser superior.
Mas Amorim foi principalmente certeiro quando admitiu que os seus jogadores “perderam a cabeça” após a expulsão de Paulinho. De facto, o FC Porto acabou por vencer um jogo em que o Sporting foi melhor durante mais tempo essencialmente porque Sérgio Conceição foi sagaz e soube retificar o que estava mal e, não menos importante, porque a equipa portista confirmou ter outra maturidade (ou, se preferirem, outra ardileza) na altura em que o jogo entrou na fase mais efervescente. Mais do que os erros arbitrais e a falta de alternativas credíveis no banco, o Sporting pagou principalmente o erro de achar que também sabe fazer guerrilha. Ora, na arte do conflito ainda tem muito a aprender com o FC Porto.
JOÃO PINHEIRO FALHOU SOBERTUDO NA GESTÃO E NAS PROVIDÊNCIAS DISCIPLINARES