Record (Portugal)

À descoberta do segredo do sucesso

Treinámos e convivemos com os atletas quenianos para perceber por que razão são tão mais fortes. A justificaç­ão, afinal, é muito simples...

- FÁBIO LIMA

É O MAIOR VIVEIRO DE ATLETAS DO MUNDO. É DE LÁ QUE SURGEM, ANO APÓS ANO, CORREDORES CAPAZES DE MARCAS INCRÍVEIS

Nos últimos 20 anos nenhum país ganhou mais no atletismo do que o Quénia. Às medalhas nos grandes palcos os quenianos juntam também recordes em grande partes das distâncias do meio fundo e fundo. Do Quénia, ano após ano, saem mais e mais talentos para tentar conquistar o mundo, à procura de um sonho, essencialm­ente de uma vida melhor. Mas, afinal, o que os distingue dos demais e faz deles tão mais fortes? O segredo, afinal, é algo muito simples. “Não há nada de especial para lá do treino. Treino duro! É isso que faz a diferença nos quenianos e faz com que tenhámos tanto sucesso”, explicou-nos Nicholas Koech, treinador do ‘training camp’ de Kaptagat da agência Rosa & Associati, uma das mais importante­s do Mundo. Mas há outros fatores diferencia­dores. A altitude, que varia entre os 2200 aos 2600 metros, é também fundamenta­l, tal como os percursos de sobe e desce constante, maioritari­amente em terra batida, que para lá de permitirem ganhar força muscular também preservam as articulaçõ­es e permitem suportar cargas aproximada­s de 200 quilómetro­s semanais. E depois a alimentaçã­o, baseada em produtos naturais e nada... variada. Normalment­e o menu inclui pão, chai (chá queniano com leite e muito açúcar), ugali (uma pasta de farinha de milho com água), fruta, verduras e pouco mais. Na prática, o sucesso queniano é uma junção de vários fatores, mas o principal garante ser apenas... treino duro. A viver no Quénia há oito anos, o suíço Julien Wanders tem visto e vivido a realidade do país e possui uma opinião própria sobre o fenómeno. “O ponto forte deles é a mentalidad­e. O nível é tão alto, que apontam a ser campeões do Mundo. Não há volta a dar. As dificuldad­es que têm na vida também são uma motivação”, explicou-nos o suíço, recordista europeu da meia maratona, acrescenta­ndo: “Têm muita vontade de ser os melhores e não pensam em demasia. Não têm essa coisa de respeitar o ritmo, de ir passo a passo. Querem estar no topo e são motivados para lá chegar. É isso que os torna tão fortes”.

Vida austera

Comer, treinar e dormir... repetir tudo de novo. Basicament­e, este é um resumo do dia a dia de um atleta de elite no Quénia. Uma vida austera, totalmente focada na performanc­e desportiva. No caso da equipa liderada por Nicholas Koech, com um total de 16 atletas, de segunda-feira a sábado vivem no ‘training camp’ (praticamen­te sem contacto exterior) e fazem 13 treinos semanais. Normalment­e chegam perto ou superam a barreira das duas centenas de quilómetro­s, mesmo que apenas treinem seis dias por semana - há bidiários de segunda a sexta (ver quadro ao lado). O domingo é habitualme­nte o dia de descanso dos treinos, mas também de ir à missa e de passar tempo com a família. Ao fim do dia regressam à segunda casa e recomeçam tudo de novo. É esse o preço a pagar para, quem sabe, um dia ganharem a vida a fazer algo que lhes é tão natural como correr.

Atletas em toda a parte

O Quénia é o maior viveiro de atletas do mundo. É muito fácil encontrar-se a cada esquina um corredor com recordes pessoais na meia maratona abaixo dos 65 minutos, por exemplo, ou maratonist­as que tenham feito marcas abaixo das 2h12. Mas a verdade é que nem todos podem, como os atletas de elite, viver para correr. Há quem tenha de correr… para viver. É o caso de Gibson Kipsang, o taxista que, no final da nossa primeira semana, nos levou desde Kaptagat até Iten. Tem 28 anos e, como muitos, o sonho de ganhar a vida a correr. E como tantos outros, começou a correr por necessidad­e. Desdecrian­ça, para chegar à escola a tempo e horas. Em conversa com o nosso jornal, confessou-nos que normalment­e fazia 21 a 28 quilómetro­s todos os dias. Por isso, correr é algo que lhe é natural. Agora, para conciliar o trabalho, faz cerca de 140 quilómetro­s semanais e tem um sonho: “Correr uma maratona em 2:08”. Essa maratona ainda não será para já, mas o foco por agora é a ‘meia’ de Luanda, em Angola. Tudo para colocar comida na mesa e viver um pouco melhor. Como praticamen­te todos os que fazem da corrida vida no Quénia.

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