Como Arteta fez renascer os gunners
O ARSENAL QUE VAI JOGAR EM ALVALADE É O PORTA-ESTANDARTE DA NOUVELLE VAGUE GERADA POR UM RESTRITO GRUPO DE CLUBES (A PAR DO NÁPOLES) QUE RESSURGIRAM DAS CINZAS E SE CONVERTERAM EM EQUIPAS DE REFERÊNCIA. PELOS RESULTADOS E PELO JOGO DINÂMICO E VANGUARDISTA
çO Arsenal que depois de amanhã irá jogar com o Sporting a primeira mão dos ‘oitavos’ da Liga Europa é o admirável líder da Premier League, sendo ainda porta-estandarte da Nou- velle Vague gerada por um restrito grupo de clubes (a par do Nápoles de Spalletti) que ressur- giram das cinzas e se converteram em equipas de referência. Pelos resultados, mas também pelo jogo dinâmico e vanguardista. O duelo de Alvalade é, por isso, uma oportunidade de descodificar como é que Mikel Arte- ta vergou a síndrome do Wenge- rismo que há muito entorpecia o clube londrino.
O Arsenal segue com cinco pontos de vantagem sobre o City
na liderança de uma Premier League que lhe foge há 19 anos, mas, antes do início desta época, os do- nos terão discutido por três vezes a demissão do treinador. Os momentos são fáceis de adivinhar: aguentaram os dois oitavos lugares registados entre 2019 e 2021 (sendo que na segunda época o Arsenal ficou, pela primeira vez desde 1995/96, fora das provas eu- ropeias), e o quinto lugar registado na época passada, quando vol- tou a falhar o acesso à Champions, que não joga desde 2017. Foi um período desgastante, até porque a crítica chegou a contes- tar Arteta pelo futebol poltrão (escorado num desenho em
4x2x3x1, ou até num esquema com três centrais), que não fazia muita diferença na comparação com o seu antecessor, o também espanhol Unai Emery.
Teria sido fácil a Stan Kroenke,
um magnata norte-americano com uma fortuna pessoal avalia- da em 8,8 mil milhões de dólares, mandar trocar, mais uma vez, de treinador. Ser dono também de equipas na NFL (Los Angeles Rams), na NBA (Denver Nuggets), na NHL (Colorado Avalanche) e na MLS (Colorado Rapids) pode ter-lhe dado a cultura desportiva que tantas vezes falta a quem passa os cheques. Mas os conselhos do diretor des- portivo Edu Gaspar (um brasilei- ro que jogou cinco anos no Arsenal) é que o ajudaram mesmo a perceber que o problema não era o técnico. Edu sabia que Arteta passava 12 horas por dia na Academia Hale End a modernizar as
estruturas e a organização arcaica que vigoravam desde Wenger. Reestruturou a formação, o scouting e tudo o resto. E sempre que pedia tempo, insistia na sua filosofia: “Trust de process” (con- fiem no processo). Não fez tudo num estalar de dedos, até porque era difícil resolver o problema principal. De facto, em decla- rações ao The Sun em julho último, já Edu identificava o distúrbio fundamental: “Quando um jogador tem 26 ou mais anos, recebe um salário e não está a corresponder às expetativas, isso mata a equipa. No passado, 80% da equipa tinha essas caracterís- ticas. Esses jogadores não tinham valor de mercado e estavam confortáveis num contrato de longa duração, a viver em Londres. Eu sei que é estranho chegar à administração e dizer: ‘Às vezes é melhor pagar a um jo- gador para sair do que mantê-lo cá’. Percebo que magoe e que os adeptos considerem um gasto excessivo, mas é preciso eliminar o problema”. Foi assim que, ao longo de dois anos e meio, Arteta foi sucessivamente deixando cair Özil, Lacazette, Willian, David Luiz, Leno, Torreira, Mkhitaryan, Kolasinac, Aubameyang, Bellerín, Chambers, Mustafi, Papastathopoulos e Nicolas Pépé, entre outros. Praticamente só restou Xhaka, e mesmo esse perdeu influência. Foi uma limpeza sem precedentes, abrindo caminho à chegada de gente nova e ambiciosa, como o guarda-redes Ramsdale, o central Saliba (estava emprestado) ou o lateral Ben White, e também elementos de maior experiência, como o médio Thomas Partey.
A renovação permitiu finalmente
que Arteta começasse a construir uma equipa de autor, formada por gente jovem que segue sem hesitar as suas ideias. Arteta sempre assumiu que a matriz de uma equipa é dada principalmente pelas características dos jogadores que a formam, e isso ajuda a explicar os primeiros anos vacilantes. Mas também sempre sublinhou que nunca abdicará das influências bebidas em La Masia e no contacto com Guardiola. Ao quarto ano conseguiu fazer emergir um Arsenal, que se apresenta finalmente distribuído num 4x3x3 capaz de pressionar alto, ser intenso na reação à perda de bola, de jogar um futebol associativo com as linhas altas e de ocupar o meio-campo adversário. Porque, como Arteta confessou ao jornal Marca em 2019, o jogo posicional ofensivo “é sempre inegociável”.
“SE ALGUÉM DE 26 OU MAIS ANOS NÃO CORRESPONDE ÀS EXPECTATIVAS, ISSO MATA A EQUIPA”