Um campeão que respeita a história
ROGER SCHMIDT ENTENDE QUE O FUTEBOL CONSTITUI ELO DE LIGAÇÃO A UM MODO DE SER E QUE A ELE CORRESPONDE UMA SENSIBILIDADE, UM ESTILO E UMA ESTÉTICA. É UM ARAUTO DA SIMPLICIDADE, QUE RETOMOU A GRANDEZA DA EXISTÊNCIA BENFIQUISTA
çSe o futebol é uma expressão de cultura, o Benfica de Roger Schmidt respeitou o legado de antepassados gloriosos. Não se limitou a ganhar, recusou minimalismos estatísticos que não fazem parte do código genético encarnado e adaptou ideias ao sentir do povo que representa. O campeão nacional foi uma equipa dominadora, que tratou bem a bola, manifestou intenção ofensiva, nunca travou a inspiração e conjugou conceitos até se expressar na plenitude, com ordem e entusiasmo; tática e instinto; disciplina e liberdade; luta e talento; responsabilidade e risco. Assente em princípios claros, decifráveis para qualquer elemento da equipa, RS concedeu rédea solta à imaginação e à felicidade dos jogadores, logrando o estado ideal de ser intenso e eficaz, com e sem bola, isto é, quando se preparou para fazer do jogo uma festa ou o aceitou como guerra.
Quando chegou a Portugal, RS já tinha padrão de trabalho definido e linha ideológica que não deixava dúvidas – o Benfica não contratou só um treinador, importou um conceito, um método e um rumo. Não escolheu um estudioso do treino, um inovador sensível a novas tendências, um homem que se propõe interferir no desenvolvimento da atividade com intervenção científica. Nem dele se esperava o golpe de asa estratégico a partir do banco, a intuição de substituições milagrosas em que os treinadores portugueses são hábeis. RS trouxe nova dinâmica, convenceu os jogadores e começou a ganhar; reuniu as condições para melhorar o que tinha, usufruir dos que vieram com ele e promover jovens sem medo. Foi um arauto da simplicidade.
No seguimento de quatro anos
sem qualquer conquista, o Benfica de RS retomou a grandeza e os fundamentos que suportam a centenária existência benfiquista. Sem esforço foi perfeito no entendimento de que o futebol constitui elo de ligação a um modo de ser; que a ele corresponde uma sensibilidade, um estilo, uma estética e uma longa história que urge respeitar. Em termos táticos e de treino não operou
O BENFICA APROXIMOU-SE DO IDEAL QUE É JOGAR COMO A NAÇÃO ENCARNADA EXIGE
uma revolução, porque os fundamentos da mudança em nenhum momento estiveram ligados a roturas estruturais com o passado; mudou a mentalidade, apresentou uma proposta aceite com entusiasmo pelos jogadores, que lhe admiraram a firmeza, a autenticidade e, não menos importante, o sucesso.
A equipa cedo ultrapassou barreiras, muitas delas emocionais, que a condicionaram nos últimos anos. Aproximou-se do ideal que é jogar como a nação encarnada exige; optar por um futebol identificativo do lugar, com referências definidas, sem contrariar o sentir do povo que cresceu, aprendeu a viver e escolheu orientações que se entranham para o resto da existência.
Este Benfica, cujo impacto foi semelhante ao de Sven-Goran Eriksson entre 1982 e 1984, refletiu ansiedade de adeptos que, por fim, se reviam no comportamento dos seus jogadores. Hoje, como há quarenta anos, a equipa é feita da mesma massa de quem a apoia, tem um comportamento que a identifica, joga de acordo com o meio e segundo os valores sentimentais que a orientam.
O novo campeão é um bom
exemplo de quem se fortaleceu com a conjugação entre o com- promisso de quem veio de fora (Otamendi, Grimaldo, Neres, Aursnes, Bah, Musa, Gilberto e mesmo Rafa, Chiquinho e João Mário) e o sangue benfiquista (António Silva, Florentino, João Neves, Gonçalo Ramos, Gonçalo Guedes, Ndour e Samuel Soares). O coletivo não se limitou à exaltação de profissionais de excelência, que se entendem através da linguagem universal do futebol, com o alicerce de atributos técnicos superiores. Evoluiu para equipa que edificou um vínculo sólido com a essência do clube que representa.