O MacGyver do Dragão
PERDER O SEU ‘SEGURO DE VIDA’ PODERIA RESULTAR CATASTRÓFICO PARA PINTO DA COSTA, MAIS A MAIS TÃO PERTO DE ELEIÇÕES EM QUE VILLAS-BOAS AMEAÇA SER UM ‘ENFANT TERRIBLE’
çO FC Porto continua a prosperar sobretudo a expensas do PRAR (acrónimo de Pressão, Re- cuperação e Ataque Rápido), mas a conquista da última Taça de Portugal frente ao Sp. Braga serviu também para certificar a faceta simultaneamente judiciosa e ponderada de Sérgio Conceição, bem visível quando o técnico portista não mostrou qualquer embaraço em substituir o mesmo Toni Martínez que, 18 minutos antes (incluindo os cinco de descontos no final da primeira parte), mandara entrar em campo para remediar a saída do lesionado Evanilson.
A emergência de reequilibrar a
equipa após a expulsão de Wen- dell impunha a entrada de Zaidu e a mudança estrutural para o 4x4x1, mas outros treinadores menos dogmáticos teriam pro- curado um conserto que evitas- se o sacrifício de um jogador re- cém entrado e que até havia tido um papel ponderoso (mes- mo que sem tocar na bola) no auto-golo de André Horta. Um técnico mais constrangido e piedoso teria, provavelmente, optado por fazer sair Taremi, desdenhando o facto de o iraniano ser o protótipo de jogador ideal (tanto em termos técnicos como de leitura de jogo e de ocupação de espaços) para funcionar naquele registo de inferioridade numérica, como
rapidamente ficou evidente no lance que levou à expulsão de Niakaté.
Conceição, honra lhe seja feita,
vai sempre privilegiar os interesses coletivos da sua equipa em detrimento das conveniências individuais ou até dos cons- trangimentos que as suas escolhas possam ter no ecossistema do balneário. Resolveu imediatamente a questão com um abraço solidário a Martínez e, no final, o espanhol só lhe atribuiu louvores, incluindo o de impor um grau de exigência tão elevado que acaba por resultar no aprimoramento individual.
Claro que a conduta altruísta de Martínez é sempre mais fácil de garantir quando o treinador é reconhecido não só pelo seu ‘know-how’, mas também pela boa-fé. Foi essa mistura de com- petência, rigor, paixão e equida- de que transformou Sérgio
Conceição no verdadeiro chefe de balneário do FC Porto, ‘status’ bem visível quando o capitão Pepe, quebrando o habitual protocolo, erigiu o treinador às suas cavalitas e deixou que fosse o treinador a hastear bem alto a Taça de Portugal. O registo fotográfico deste momento foi explorada na primeira página por todos os diretores de jornais com verdadeiro instinto de notícia. E, no futuro, acabará por funcionar como um dos principais registos documentais da magnitude de um treina- dor que há muito entrou no res- trito galarim portista em que já estavam Pedroto, Artur Jorge e José Mourinho.
Nos seis anos no Dragão, Conceição conquistou 10 troféus (3 ligas, 3 Taças de Portugal, 3 Supertaças e 1 Taça da Liga) em tempo de ‘vacas magras’ e urdindo soluções que, por vezes, quase o converteram numa ‘MacGyver’ do treino. Conceição montou sempre equipas competitivas mesmo quando teve de recorrer a jogadores de méritos discutíveis ou renegados por outros. Fez amadurecer craques como Otávio e corrigir promessas como Galeno e quando teve, na época passada, jogadores diferenciados como Vitinha e Fábio Vieira, provou que também sabe trocar o futebol mais musculado e fariseu por um modelo mais elaborado e combinativo.
Nas celebrações do Jamor, Conceição contornou as perguntas sobre a sua possível saída. Nos anos anteriores não lhe surgiu nenhum convite tentador. Mais vale manter-se no seu porto seguro, do que embarcar num paquete mais abastado, mas igualmente enferrujado – terá pensado. Mas os jornais anunciam agora chamamentos bem mais tentadores de quem poderia saldar os 18 M€ da cláusula de recisão. As próximas semanas serão essenciais para apurar desta contingência, sendo certo que perder o seu ‘seguro de vida’ poderia ser catastrófico para Pinto da Costa, mais a mais tão perto de umas eleições em que André Villas-Boas ameaça apresentar-se como um ‘enfant terrible’. A dúvida é se Conceição se irá deixar comover com este melodramático cenário…