Record (Portugal)

A estranha doença de um gigante chamado Ajax

- Filipe Alexandre Dias Editor executivo

çComo os poderosos caem... Nos Países Baixos, pelo mundo fora ninguém percebe o que está a acontecer. O Ajax, clube mais vitorioso e de maior projeção internacio­nal que a Holanda produziu, símbolo da inovação, da irreverênc­ia e da liberdade criativa que capturou o imaginário de todo o planeta do futebol nos anos 1970, está doente. E não há forma de percever que maleita é esta que acomete o lendário emblema de Amesterdão. Dentro e fora dos relvados.

A história do Ajax é um filme. O clube inspirado na figura de um herói grego tornou-se também ele próprio um mito, passando por provações tremendas à medida que os anos passaram. Primeiro referência regional, depois potência nacional e a seguir grande europeu, o Ajax é, antes de tudo, uma agremiação ligada à comunidade judaica que povoava Amesterdão no início do século XX, a qual, por sua vez, tinha raízes portuguesa­s. Fundado em 1900, o Ajax colocou-se na vanguarda 60 anos depois, quando o seu ex-avançado Rinus Michels, que dava aulas de educação física a crianças surdas, assumiu o comando técnico dos ‘lanceiros’. E o mundo do futebol nunca mais seria o mesmo.

Nasceu o ‘Total Voetbal’, assente no pressupost­o de que todos os jogadores sabiam assumir cada função em campo, operando como um carrossel em compensaçõ­es constantes, com base num futebol ofensivo, vivaz e contagiant­e. Jogadores como Cruyff, Neeskens, Keizer, Rep, Suurbier e Krol deram-lhe forma e, como núcleo duro, conferiram-lhe expressão a nível de seleção na Laranja Mecânica, a Holanda vice-campeã mundial em 1974 e 1978. Antes, claro, o Ajax cuidou de ser tricampeão europeu entre 1970/71 e 1972/73.

Daí até ao cair do século XX, o Ajax teve a oposição ocasional do Feyenoord (inimigo figadal de toda a vida) e a quase constante do PSV Eindhoven. Mas o Ajax, assinava sucessos domésticos regulares e até voltou a conhecer a glória europeia nos anos 1980/90, reinventan­do-se com sucessivas gerações de talento fabricado em casa.

A saída do técnico Ten Hag deixou um vazio e os principais soldados tombaram. Van der Sar deixou o cargo de diretor-geral por exaustão e sofreu uma hemorragia cerebral; Overmars saiu da direção do futebol por assediar funcionári­as do clube e Huntelaar abandonou a coordenaçã­o técnica ao sofrer um esgotament­o. A casa dos sonhos virou pesadelo, com a equipa a ter o pior começo de sempre na Eredivisie esta época e a agonizar na tabela.

E depois, o impensável: o Ajax já não é o emblema mais popular da Holanda, perdendo para o Feyenoord, cuja massa adepta é férrea, apaixonada e vai além de Roterdão. Ninguém percebe que é feito da grandeza de um clube cujo herói mitológico que lhe dá nome foi poderoso em vida... e trágico na morte.

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