Dar a mão à palmatória
O PAPEL DE CATAMO NO DÉRBI QUE DEVE TER DEFINIDO O TÍTULO NACIONAL REMETE-NOS, ANTES DE TUDO, PARA O PAPEL PRIMORDIAL E ATÉ ESTRUTURAL DE RÚBEN AMORIM
çGanhar ao Benfica com dois golos de um moçambicano não foi um ultraje à história do clube da Luz e, muito menos, à memória de Eusébio da Silva Ferreira, que ficará para sempre registado na história do futebol como o genuíno Pantera Negra. E se Geny Catamo saiu incontestavelmente com o dístico de herói improvável do dérbi lisboeta que deve autenticar a conquista do título nacional, não é menos verdade que até esse contexto homérico acaba por nos remeter, antes de tudo, para o papel primordial e até estrutural de Rúben Amorim.
Desde logo porque não me recordo
de alguém ter ovacionado o técnico do Sporting quando ele decidiu que um inexperiente canhoto de 23 anos, alguém que sempre jogara como extremo ou número dez e que acabara de ter experiências pobremente sucedidas no V. Guimarães e no Marítimo (também, é bom dizê-lo, em resultado das lesões que o afetaram), era uma solução legí- tima para funcionar como um moderno lateral/ala direito.
Eu próprio, devo dizê-lo,
sinto- -me na obrigação de dar a mão à palmatória. Porque, apesar de já então reconhecer muito talento ao ‘Messi de Maxaquene’ e de ter noção das especificidades que resultam do 3x4x2x1 leonino, comecei por ter sérias dúvidas de que Catamo tivesse sufi- cientes competências defensivas para a função, ainda por cima no corredor direito.
Rúben Amorim teve o engenho de enxergar
o que poucos (ou ninguém?) terão visto. E a prova disso é que nunca desistiu de Ca- tamo, tendo-o levado para os últimos três estágios de pré-temporada no Algarve. Mais do que isso, ter-lhe-á dito, a certa altura, que teria garantido para esta época um cacifo no balneário da equipa principal. E provou o quanto confiava nele para desempenhar a função quando o lançou a titular na lateral direita logo na primeira jornada da liga, frente ao Vizela, repetindo a aposta na estreia na Liga Europa, na Áustria, perante o Sturm Graz. Tirando presenças esporá- dicas do ainda mais jovem Fresneda, Catamo tem dividido a titularidade com Esgaio. Isso resulta também do facto de Amorim querer, cada vez mais, que o Sporting seja maleável taticamente e se transforme numa de- fesa a quatro nalguns momentos do jogo. E isso é mais complicado de gerir, principalmente nos jogos de grau de dificuldade maior, quando Catamo e Nuno Santos são simultaneamente titulares. Do ponto de vista ofensi- vo, a maior serventia de Catamo sobre a concorrência foi assumi- da pelo próprio Amorim quando explicou que Geny é o único que “não precisa de apoios”, conseguindo, por isso, tomar decisões em que desequilibra sozinho. Não estivesse Amorim interessado em conter eventuais riscos de soberba e poderia também ter referido os arranques explosivos, a resistência, a criatividade, a agilidade e o atrevimento de quem já mostrou ser forte também na condução da bola e no remate, incluindo com o pé direito, como descobriu Trubin.
Catamo foi ganhando relevância com o decorrer do campeonato, principalmente depois de ter dado boa conta do recado na recepção ao FC Porto (14.ª jornada). E o seu papel ficou ainda mais reforçado após ter regressado da CAN. No final de janeiro, saltou do banco aos 58’ para ajudar com um golo e uma assistência na goleada (8-0) sobre o Casa Pia. A partir daí, tem sido mais vezes titular do que suplente. Começou de início na vitória (2-1) sobre o Benfica, na primeira mão das meias-finais da Taça de Portugal. E, no jogo da Luz, a sua entrada ao intervalo (a par das de St. Juste e Matheus Reis) foi importante na subida de rendimento dos leões no segundo tempo.
Após o triunfo estridente sobre o Benfica,
Amorim considerou que “Geny já fez jogos melhores, só que foi muito decisivo e há que dar-lhe mérito”. Manter Catamo com os pés bem assentes no chão pode ter sido a intenção desta observação tão frugal, porque, de facto, o moçambicano marcou dois golos (em quatro remates enquadrados), teve seis dribles com sucesso em outras tantas tentativas, ganhou nove dos 12 duelos que travou e somou três conduções progressivas e duas intercepções.
DO PONTO DE VISTA OFENSIVO, A MAIOR
SERVENTIA DE GENY FOI ASSUMIDA POR... AMORIM