Record (Portugal)

Um sonho galego jogado com cocaína

- Filipe Alexandre Dias Editor executivo

Imagina um pequeno clube da costa galega, poucos quilómetro­s a norte de Portugal, a querer agigantar-se desde as catacumbas do futebol espanhol, movido a dinheiro procedente do tráfico de droga? Parece retirado de um filme, certo? Mas aconteceu mesmo e se não deu depois em filme, valeu uma excelente série - ‘Fariña’ e é tema de diversos documentár­ios. O Juventud de Cambados foi uma espécie de Atléti- co Nacional de Medellín da Europa. Um clube que foi o brinquedo de Sito Miñanco, um dos maiores e mais infames narcotrafi­cantes que a Europa conheceu.

Como surgiu este Pablo Escobar de origem piscatória?

José Ramón Prado Bugallo era o nome de batismo de Sito, nascido a 23 de setembro de 1955 no ‘pueblo’ de Cambados, na região de Pontevedra. Dedicou-se à pesca por ser esse o fado de toda a família, mas Sito tinha uma inteligênc­ia aguda e uma ambição muito além das rias que o viram crescer entre duas paixões: o futebol e o negócio.

Adepto do Real Madrid, Sito não singrou

no jogo bonito e passou a jogar sujo. Era pouco mais que um ‘perna de pau’ que ainda represento­u o Juventud, mas o seu estilo esforçado não lhe compensava a ausência de técnica. A escolha era fácil: dedicar-se-ia ao negócio... e não seria em pescado.

As rias eram áreas pouco vigiadas

pelas autoridade­s espanholas nos anos 1970/80 e serviam de entrada clandestin­a para muitas embarcaçõe­s de carga duvidosa. Marinheiro hábil e conhecedor de cada pedaço das rias, Sito enveredou pelo contraband­o de tabaco. Seria preso por essa atividade, o que se lhe abriria mais os horizontes criminosos. Nas celas de Carabanche­l, conheceu presos colombiano­s, nada menos do que membros dos cartéis de Medellín e de Cali. A partir desse contacto, dedicou-se ao tráfico de cocaína assim que foi libertado.

Durante anos, Sito construiu um império

na costa galega e foi então que à imagem do seu ídolo Pablo Escobar decidiu, num assomo faraónico, fazer do Juventud uma potência. O clube espelhava a Galiza pobre que Sito conhecera ao crescer. O novo líder do Juventud comprou jogadores de nível alto, reconstrui­u as infraestru­turas, comprou árbitros, deu o rosto em êxtases de ‘rock star’… e chamou a atenção. Quando o Juventud subiu do 3.º para o 5.º escalão, todos acordaram.

O crivo policial apertava-se

e a pequena comunidade local virava-se contra Sito, que antes se disfarçara de benfeitor. A epidemia de droga que a partir de Cambados intoxicou toda a Espanha, tornou-a no país europeu com maior consumo de cocaína. Todos os que perdiam entes queridos gritavam à porta da casa de Sito, o qual conseguiu escapar a uma rusga da polícia que lhe eliminou a atividade. Sito passou a ser procurado em todo o mundo, mas foi o futebol que o ‘entregou’. Escondido em Madrid, decidiu ir ao ‘El Clásico’ no Bernabéu e foi detido no regresso a casa. Passou quase 20 anos na cadeia, da qual continua a entrar e a sair por acabar sempre nas malhas do crime. E o Juventud voltou rapidament­e ao lugar onde continua: o 5º escalão. Antes assim: pobre, mas honrado.

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