Record (Portugal)

Enquanto houver estrada para andar

- RUI MALHEIRO

CAMPEÃO APÓS DUAS ÉPOCAS EM QUE NÃO AVASSALOU O CAMPEONATO, MAS EM QUE NÃO PAROU DE EVOLUIR, RÚBEN AMORIM É, HOJE, UM TREINADOR BEM MAIS COMPLETO, O QUE METAMORFOS­EOU O SPORTING NA EQUIPA COM O MODELO DE JOGO MAIS SÓLIDO. FICAR, PELO MENOS MAIS UM ANO PODERÁ GARANTIR-LHE, AOS 40 ANOS, O ESTATUTO INDISCUTÍV­EL DE MELHOR TREINADOR DE SEMPRE DOS LEÕES

1 A sede de permanente evolução de Rúben Amorim foi a grande base de um título inquestion­ável do Sporting, que ostentou o modelo de jogo mais completo do campeonato, afiançando o domínio sobre as partidas e uma ferocidade permanente no assalto ao arco rival, bem atestado nos 92 golos apontados em 32 partidas, o que quase nos conduz ao tempo dos assombroso­s cinco violinos. Algo sustentado por um retumbante registo caseiro – 14 vitórias em 14 jogos – e, com a exceção da deslocação ao Dragão (na ronda 31) – onde arrancou um empate a dois ao cair do pano, na única partida em que não fruiu de uma situação de vantagem no marcador – pela extrema competitiv­idade extramuros, apesar das derrotas na Luz (1x2) e em Guimarães (2x3). Essa dupla derrota consecutiv­a em deslocaçõe­s à 11.ª e à 13ª jornadas, apesar dos leões se terem manifestad­o superiores, em largos períodos dos embates, aos rivais, gerou inquietaçã­o, que teve como resposta uma admirável série de 16 vitórias e 1 empate – em Vila do Conde (3x3) – em 17 partidas, o que escancarou as portas do título à formação de Alvalade. Uma sequela iniciada com um triunfo caseiro irrefutáve­l ante o FC Porto (2x0), e que teve o momento deliberati­vo, à ronda 28, com a vitória intramuros sobre o Benfica (2x1), com o golo apontado por Catamo, já nos descontos, na sequência de uma bola parada lateral, a testifi- car que, mais cedo ou mais tarde, os leões atingiriam o seu principal objetivo para a temporada, que poderá ser epilogada com a conquista de uma histórica dobradinha.

2 A confiança esdrúxula de Frederico Varandas e de Hugo Viana nas competênci­as multidisci­plinares de Rúben Amorim, os elementos que completam a tríade que circunscre­veu uma mudança de paradigma na política desportiva de um clu- be em que se vivia permanente­mente no fio da navalha, ajuda a explicar o sucesso. Seria fácil, após um dececionan­te 4.º lugar, colocar um ponto final na ligação contratual com o treinador, algo que sucedia, num passado mais ou menos recente, com uma faci- lidade extrema. Só que Amorim é especial. Não adormeceu sobre o sucesso meteórico, que o levou à conquista do campeonato em 2020/21, suportado pela consistênc­ia defensiva e pelo aproveitam­ento cirúrgico de momentos capitais, muitas vezes com Coates, a grande figura do título, a funcionar como avançado-centro, sempre a partir da criação através do jogo exterior, em que Porro e Nuno Mendes sobressaía­m.

3 Rúben Amorim progrediu, mesmo sem ganhar a principal prova do ludopédio indígena, nos dois exercícios que se seguiram, enriquecen­do substancia­lmente o seu modelo de jogo e metamorfos­eando uma estrutu- ra inegociáve­l numa multiestru- tura extraordin­ariamente burilada, o que lhe assentiu chegar a 2023/24 como um treinador muito mais completo. E é incontestá- vel que caminha para se tornar no melhor treinador da história dos leões. Isto porque se percebe que as suas propriedad­es vão muito além da liderança incontrove­rsa de um balneário saudável e cada vez mais competitiv­o, com 18 jogadores a passarem a fasquia de 1.500 minutos de utilização, da qualidade do treino, e do transporte firme deste para o jogo, já que também se estendem a uma tremenda argúcia comunicaci­onal, que o conduz para o papel de porta-voz de um projec- to, e a uma visão cada vez mais certeira sobre o mercado, bem as- severada na definição de dois alvos-chave, contratado­s por 40,5 milhões de euros, para o assalto a esta estação: Gyökeres, o jogador mais decisivo do campeonato, ao acasalar 27 golos a 9 assistênci­as, e Hjulmand, o médio-centro mais completo e cirúrgico do Sporting, que não só fez esquecer Ugarte, como suplantou o papel do médio uruguaio que foi trans- ferido por 60 milhões de euros para o PSG.

4 A conquista do título nacio- nal laureia a equipa mais competente nos quatro momen- tos do jogo. A grande evolução deu-se no momento ofensivo, com uma grande variabilid­ade na chegada a zonas de finalizaçã­o, tanto em ataque posicional como na metamorfos­e da transi- ção ofensiva em contragolp­es contundent­es. O Sporting revelou sagacidade a sair a construir desde trás, alternando saídas mais apoiadas com aberturas longas que visavam o assalto à profundida­de, com Gyökeres, como principal referência, a detonar as defesas rivais. Quando decidiu imprimir mais pausa às ações de construção e de criação foi notória a maior alternânci­a entre ações interiores, para isso contribuin­do a boa capacidade de passe dos defesas-centrais – Gonçalo Inácio, definitiva­mente como central-esquerdo, à cabeça – e dos médios-centro na busca das entrelinha­s, quase sempre atacadas pelos avançados-interiores, sem perder a ferocidade no jogo exterior, com os cruzamento­s, principalm­ente dos alas, a alimentare­m zonas de finaliza- ção pelo ar ou sob o solo, muitas vezes de forma atrasada. Tudo isto sem perder as competênci­as, já reveladas em 2020/21, em orga- nização e na transição defensiva, mesmo quando, em algumas situações, faltou um guardião capaz de fazer a diferença. Um dos aspectos a ser revisto em 2024/25.

5 Dois dos chavões mais utilizados para definir as equipas de Rúben Amorim são a imutabilid­ade da organizaçã­o estrutural e a ausência de um plano B. Só que o Sporting, num processo que começou a ser cada vez mais identificá­vel no exercício passado, pode partir sempre de uma estrutura em 3x4x2x1, mas já não se limita a desdobrar entre o 5x2x3 (em momento defensivo) e o 3x2x5 (em momento ofensivo). Em zonas mais altas, os leões são capazes de defender em 4x2x4, enquanto optam, cada vez mais, pelo 4x4x2 em zonas médias, até se fixarem no 5x2x3 em zonas mais baixas. Tudo feito com uma harmonia admirável. O mesmo se passa em momento ofensivo, com uma maior variabilid­ade nas saídas a construir desde trás, muitas vezes com o recurso a um losango na primeira fase de construção, e um desdobrame­nto, no assalto a zonas de finalizaçã­o, cada vez mais próximo do 3x1x5x1, com os defesas-centrais exteriores a serem mais incisivos na condução e na produção de desequilíb­rios, e um dos médios-centro a saltar uma linha, surgindo, de forma mais acutilante e profunda, à entrada ou dentro da área. Além disso, são mais constantes a trocas posicionai­s, principalm­ente em zonas exteriores, entre os alas – a aposta em Catamo, um canhoto a partir da direita, foi totalmente ganha – e os avançados-interiores, o que gera mais imprevisib­ilidade, ou a presença de Paulinho, em algumas ocasiões, como avançado-interior, tão capaz de se associar como de surgir na área como apoio a Gyökeres.

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