ARTES PLÁSTICAS
A brasileira Letícia Valverdes mostra a terra da avó em Viseu
Omundo tem sido a sua casa, o Mundão era a da avó. Letícia Valverdes, brasileira de São Paulo a viver em Inglaterra (e a trabalhar um pouco por todo o lado), candidatou-se a uma residência artística com um objectivo: conhecer a terra de onde a avó saiu quando tinha 2 anos rumo ao Brasil. E fê-lo no último dia do prazo, depois de ter lido uma newsletter sobre artes que raramente abre. “Dizia Portugal e Viseu e por isso quis ler”, conta ao GPS. Durante três semanas esteve a conhecer Mundão, a sua história e as de quem a habita, anotando tudo num diário fotográfico no Instagram. O resultado final será conhecido a 10 de Maio, quando inaugurar a exposição que integra a programação do Fujifilm Festival Internacional de Fotografia de Viseu, a decorrer entre 5 de Maio e 4 de Junho.
“Esta vila é incrível e ando todo o dia a descobrir pessoas e histórias. Ando atrás das memórias da minha avó, algumas criadas no começo da sua vida, outras fruto da imaginação e da memória que as comunidades portuguesas no Brasil passam umas para as outras. Nessas histórias que ela contava, falava dos cheiros das árvores de limão e laranja, da quinta dos avós, e dizia que tinha muitos amigos”, revela sobre a avó Cresciana do Espírito Santo, que todos tratavam pelo diminutivo
LETÍCIA VALVERDES FOTÓGRAFA
“EM SÃO PAULO CONVIVI NA INFÂNCIA COM OS MEUS TIOS E TIOS-AVÓS. HOJE EM DIA ANDO NAS RUAS DE PORTUGAL E PARECE QUE OS VEJO”
Gosta de trabalhar o universo feminino e diz que já viajou pelo mundo todo para o fazer. Nasceu em São Paulo, rodeada pela família de origem portuguesa e pelas pastelarias que vendiam os doces típicos de Portugal. Estudou em Londres e por lá ficou. Quando acabou a faculdade recebeu um prémio de jovem fotojornalista do ano, entregue pelo Sunday Times. O trabalho era sobre as meninas que vivem nas ruas de São Paulo, que escondem a sua feminilidade por baixo de bonés e mal se olham ao espelho. Seguiram-se outros trabalhos para o mesmo jornal, para a Marie Claire, The Guardian e a BBC. Foi muitas vezes à Amazónia para fazer trabalhos para a BBC e contactou com tribos que raramente vêem alguém de fora. Na primeira ida à selva percebeu que estava grávida do primeiro filho, aos 36 anos. Hoje, com 44, tem três, razão pela qual começou a fazer Birth Marks, um projecto sobre as marcas físicas e emocionais da maternidade. Postcards From My Portuguese Grandmother trouxe Letícia a Portugal para conhecer a terra onde nasceu a avó, Mundão. Ana. Letícia seguiu pistas, tentou saber onde a avó teria nascido e que pessoas teriam convivido com a sua família. Uma senhora disse ter encontrado uma campa com o nome da família numa aldeia próxima, enquanto outra, com 102 anos, poderá ter convivido com os familiares que ficaram. Além desse trabalho de detective, a fotógrafa comprou uma série de postais e pediu aos habitantes de Mundão que escrevessem qualquer coisa para Cresciana – que, enquanto foi viva, nunca recebeu uma carta ou um postal. No verso desses postais escritos à mão, estará o retrato de quem o escreveu. Será esse o trabalho que vai expor na Galeria do Mercado Municipal de Viseu.
“É superbonito porque as pessoas entendem a ficção do que lhes estou a propor e escrevem assim: ‘Olá, Ana’ – como se ela estivesse viva, revelando a vida da aldeia e a vida que tiveram. Contei a uma senhora que a minha avó perdeu um filho, no Brasil, e ela colocou no cartão: ‘Ana, como você, eu perdi um filho também e isso é uma tristeza que não tem fim.’ Falam de tudo: há pessoas que dizem que tiveram de deixar os filhos, com 8 meses e 3 anos, para ir para a Suíça por 30 anos, deixando os filhos com os avós.”
Neste trabalho, que Letícia descreve como uma fototerapia, teve a companhia da mãe, que viajou até Mundão com a certidão de nascimento de Cresciana e algumas fotografias antigas. “Já fiz vários tipos de trabalhos, estou muito acostumada a pedir permissão e a entrar em comunidades onde não falo a língua, mas nunca me senti tão em casa. E nunca o trabalho foi tão pessoal, porque esta, afinal, também é a minha história.”