“Recebi chamadas anónimas com ameaças durante um ano”
Do combate à toxicodependência passou a guerras mais suaves, contra o envelhecimento. Tem uma lista de espera de seis meses, vende 100 mil livros e acumula inimigos. A Ordem dos Médicos moveu-lhe um processo de averiguação sumária.
Amaisutor de bestsellers, com lugar cativo na elite de Cascais – e cada vez
isolado entre os pares –, o Dr. “antiaging” não se inibe de ser do contra. Risca o leite de vaca da dieta, abdica do protector solar no pico do sol e recomenda o consumo de água do mar. Manuel Pinto Coelho, prestes a fazer 69 anos, não faz a coisa por menos: diariamente vai ao ginásio às 5 da manhã; às 6h45 sai do hotel de luxo onde vive em Cascais, em direcção à clínica Malo, em Lisboa; começa as consultas às 7h30 e tem a agenda cheia até Dezembro. Entretanto, escreve um livro para sair no último trimestre do ano. Os seus livros Chegar Novo a Velho – A Medicina do Futuro e Chegar
Novo a Velho – Receitas lançados pela Prime Books em Dezembro de 2015 e Novembro de 2016, respectivamente, somam agora tiragens superiores a 106 mil exemplares, com vendas à volta dos 100 mil. Como justifica este fenómeno?
A propósito das suas teses sobre antienvelhecimento, que falou numa entrevista ao Expresso em Maio passado, a Ordem dos Médicos moveu-lhe um processo de averiguação sumária, por discordar “frontalmente de várias afirmações”, e um colega, António Vaz Carneiro, escreveu no mesmo
semanário que “presta um mau serviço quando ignora a evidência científica”. Esperava tanta controvérsia?
Quando se apresentam novas ideias, tem de se aceitar o criticismo. Mas quando um colega de profissão põe em causa a forma como outro colega trata um filho seu com uma doença mortal e gravíssima, acabou-se a conversa. O ataque que me foi feito foi de tal maneira surreal que entreguei o assunto a quem de direito. Quanto à evidência científica com que sustento as minhas ideias, ela está explicada abundantemente no meu livro. Tenho uma equipa a trabalhar comigo na clínica, de 18 profissionais: entre os quais cinco médicos, contando comigo, psicólogo, enfermeira, técnico de nutrição integrativa, etc. Só por loucura é
“O ataque que me foi feito foi de tal maneira surreal que entreguei o assunto a quem de direito”
Nunca me passou pela cabeça que iria vender 100 mil e que um ano e meio depois do lançamento continuaria nos tops. O número é significativo para um País que não lê.
que iria dizer o que quer que fosse sem que as teses estivessem sustentadas. Tudo quanto faço é fruto de investigação profunda, séria e organizada. As principais fontes são a Life Extension Foundation, a World Society of Anti-Aging Medicine, a American Academy of Anti-Aging Medicine, [os autores] Mercola e Lair Ribeiro, além de literatura variada.
Já respondeu à Ordem?
Recebi a nota dia 8 de Junho passado e entreguei a resposta em carta registada dias depois [12 de Junho]. Passei um fim-de-semana agarrado ao computador a responder. Escrevi um texto de oito páginas, incluindo três anexos. Fico na expectativa.
Não é a primeira vez que lhe abrem um processo de averiguação sumária. Que efeitos tiveram os anteriores?
Nunca ninguém me moveu um processo disciplinar. Tive dois processos de averiguação sumária. Um deles foi movido pelo ex-bastonário José Manuel Silva, em 2016, por causa de dois artigos que publiquei em 2015 sobre o mito do colesterol. Enviou-me uma carta registada, dizendo que tinha remetido ao conselho disciplinar e ao conselho de ética os dois artigos, perguntando se havia matéria para me levantarem um processo disciplinar. Nunca mais tive resposta.
Qual é o seu diagnóstico sobre a classe médica?
Alguns médicos sofrem de um mal comum: a resistência à mudança. Não sei qual é a chave do sucesso, mas sei que a chave do fracasso é tentar agradar a todos. Agora o que não aceito é que a Ordem dos Médicos, que deveria dar o exemplo aos filiados, tenha tido a atitude que teve comigo e que me marcou irreversivelmente. Fê-lo muito por responsabilidade da minha atitude sobre o colesterol e as estatinas.
Ao longo da sua carreira teve um discurso desalinhado. Na altura em que trabalhou com toxicodependentes revelou, em 2009, que recebeu ameaças de morte por telefone. O que lhe diziam?
Do outro lado ouvia alguém a arfar e a dizer-me, por exemplo, “filho da pu...”. Recebi chamadas anónimas com ameaças durante um ano. Um dia fui à Judiciária, na Gomes Freire, e deixei lá o telefone por três dias. Só por sorte é que haveria uma ameaça nesse período.
E houve?
Houve duas. Depois telefonaram-me a dizer: “Já temos o que precisamos.”
Recorreu a escolta?
Nunca na vida. Sou católico e acredito que estou aqui a fazer qualquer coisa.
Quem fez as ameaças?
[Risos, hesitação] Prefiro não responder. É um assunto completamente arquivado. A minha área agora é envelhecimento saudável.
Prepara o oitavo livro, o terceiro sobre antienvelhecimento, sem incluir os cinco sobre combate à toxicodependência. Mantém os retiros de escrita?
Preciso de estar isolado. Para escrever Dedo na Ferida (2011) passei oito meses no hotel do Caramulo; antes estive nove meses enfiado num quarto num hotel em Penedono, perto de Sernancelhe, com o SerHerói para a Heroína (2001). O meu primeiro livro, Toxicomania, a Liberdade Começa no Corpo (1986) foi escrito em casa dos meus sogros. Agora vou para o Algarve, para a zona de Lagos, onde mora um sobrinho. Escrevo non-stop, depois do exercício, das 7h e picos da manhã até às 22, descontando as horas de almoço e jantar, uma hora de sesta e a meia hora de sol sem protecção.
Porque é que é contra o protector solar?
Depende. Em tese, o protector solar é dramático porque tira a noção dos dois sinais que deviam afastar do sol:
“O protector solar é dramático porque tira a noção do rubor e do ardor. Não o uso durante meia hora com o sol a pique”
o rubor e o ardor. Não o uso durante meia hora com o sol a pique (das 11h30 às 14h), ou hora e meia com o sol oblíquo (das 9h às 11h ou das 16h30 às 18h30). De resto ponho protector com FPS [factor de protecção solar] máximo, ou visto uma T-shirt debaixo de um guarda-sol na praia ou na piscina.
Quanto tempo ficará em retiro?
Devido às consultas agendadas não posso ausentar-me o tempo ideal para me dedicar ao livro. Para já, será cerca de uma semana, interrompida dia 19 [quarta-feira] por força de uma entrevista aprazada ao fim do dia com o Daily Mail e as consultas de dia 20. Tenho uma lista de espera de seis meses.
Como é a sua rotina de trabalho no consultório antienvelhecimento, que abriu num piso da clínica Malo, Lisboa, em 2016?
Saio de Cascais às 6h45 para não apanhar trânsito. Começo as consultas às 7h30. Não tenho hora certa para terminar. Depende das consultas que me marcam com carácter de urgência. Muitas vezes saio às 18h30, outras às 20h30.
A clínica é resultante da situação do seu filho Bernardo, 44 anos, que sofre de uma doença degenerativa, Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA). Porquê?
Se não fosse o Bernardo a dar-me força não teria paciência para me organizar e abrir a clínica. Não imagina a quantidade de cartas e de
emails que ele recebe, de pessoas que iriam fazer asneiras, mas que relativizaram os seus problemas perante a força dele. É uma lição brutal. Está a correr na pista dele, cheio de fragilidades mas a acreditar que vai correr no Guincho. O Bernardo é um santo e a mulher dele um anjo. Foi ela que o pediu em casamento.
Teme que as recentes polémicas prejudiquem a sua reputação?
Este ataque que me foi feito causou danos irreparáveis. Por exemplo: tenho 15 pessoas marcadas e há duas que desmarcam sem aviso. A primeira coisa que me vem à cabeça é que ficaram assustadas com o que leram a meu respeito. Mas não queria que esta entrevista fosse para mostrar ressentimento, porque sinto cada vez mais vontade de ajudar quem me procura.
As pessoas que o procuram querem chegar aos 100 anos?
Em 10 pessoas três aparecem para uma consulta anti-aging [antienvelhecimento] com a perspectiva de conseguirem ter uma performance aos 70 ou 80 anos como tinham aos 30. E conseguem. Sete aparecem com doenças graves – cancros, doenças auto-imunes, neurodegenerativas, síndroma metabólico, etc.
Pode destacar-me um caso de sucesso?
Uma senhora apareceu destroçada no consultório. Vivia sozinha com um cão que tinha um cancro com metástases em todos os órgãos. Disse-lhe: “Não tem nada a perder, dê-lhe água do mar. Prepare água isotónica: um terço de água do mar, os restantes de água mineral.” Recentemente, escreveu-me uma carta a dizer que os tumores estavam a desaparecer. Faz o tratamento há dois meses. Para quem é céptico, recomendo que visite o site da PubMed, da National Library of Medicine (EUA). Encontram-se mais 25 mil resultados pelo termo sea water [água do mar]. São artigos científicos relacionados com a água do mar e tudo o que ela pode abranger.
O futuro é engarrafar esta água?
Não tenho dúvidas de que surgirá em Portugal, mais cedo ou mais tarde. A água isotónica é boa para cozinhar, para banhos de imersão, etc.
Pratica aquilo que defende?
Costumo dizer: “diz o que digo e faz o que faço”. Nunca como glúten nem caseína. Ao fim de um mês, aconteceu comigo o que acontece a qualquer pessoa que suspenda o glúten e a caseína do seu regime alimentar: mais vitalidade, pensamento mais vivo e claro, menos barriga e menos peso. Às 5 da manhã vou para o ginásio fazer exercício, porque me deito cedo às 21h. Tento fazer duas refeições por dia. Ou o pequeno-almoço e jantar, ou pequeno-almoço e almoço, três refeições fortes por dia nunca. Faço jejum ao domingo.
Jejuar não será perigoso?
Perigoso? Perigo é ingerir muito mais calorias do que aquelas que o corpo requisita para funcionar, inflamando-o! Recorde-se que os Masai, no Quénia, passam dias sem comer.
Porque é que toma 25 suplementos por dia?
Prefiro fazê-lo a tomar um multivitamínico. Tomo antioxidantes (selénio, zinco, coenzima Q10, ácido alfa lipóico), vitamina A, vitamina C, vitamina E. À noite faço a hormona de crescimento. Uma caneta, que custa 120 euros, dá-me para três semanas, mas depende da quantidade que se faça. Não se pode tomar sem
quantificar antes, é preciso fazer um perfil hormonal. A reposição hormonal é uma estratégia com vigilância médica. Permite inverter o envelhecimento, tratar de fadiga profunda, é antidepressiva, etc.
Faz 69 anos no próximo dia 26. Vai comemorar?
Será um dia como qualquer outro, passado a trabalhar na clínica. Não sei como a Daiana [mulher, de 35 anos, com quem está casado há uma década] pensa organizar o jantar. Quando fizer 70 anos é que vou fazer uma festa a sério.
Aos 68 anos, foi pai pela quinta vez. Alguma vez irá dar leite de vaca à sua filha Lara, de 10 meses?
Nunca na vida. Por enquanto bebe leite materno e complementa com um preparado sem caseína nem lactose. Mais tarde, beberá leite de coco, preferencialmente, de arroz ou de amêndoa. O leite de soja também não recomendo, porque as suas isoflavonas [compostos orgânicos naturais] mimetizam a hormona feminina e acho que a Lara já é feminina quanto baste.
E isso não afectará os ossos?
As povoações do mundo com menor taxa de osteoporose e de fractura são as orientais. Vai à China, ao Japão, à Tailândia e para ver uma vaca tem de ir ao cinema. Não há vacas, nem leite e seus derivados – queijo, iogurte, manteiga. Têm os ossos mais fortes do planeta, porque passam o dia a comer vegetais no wok. Tudo quanto é verde tem cálcio.
Costuma dizer que é um pai tardio, como Mick Jagger, vocalista dos Rolling Stones. Conheceu-o?
Fazemos anos no mesmo dia. Ele nasceu em 1943, eu em 1948. Tive oportunidade de jantar com ele. Tenho um grande amigo que é o Salvador Correia e Sá, que vive no Estoril e conhecia o manager dos Rolling Stones. A banda estava instalada no hotel Tivoli [Av. da Liberdade] e o manager pediu-lhe uma sugestão de restaurante. O Salvador disse-me: “Manel, tenho aqui uma pessoa no Tivoli a dizer que tem uma banda que quer ir jantar fora. Não vou, porque não é o meu meio. Tens pachorra para jantar com eles?” Perguntei-lhe qual era a banda. Duas horas estava a jantar com Mick Jagger, Tony King e mais umas pessoas do staff. Alugaram a sala toda de um restaurante em Cascais. Foi um jantar amistoso, ele é uma pessoa tranquilíssima. Oito dias depois estava no Vicente Calderón [estádio em Madrid] com o meu filho Bernardo, a convite deles. Foi há 20 anos.
Nessa altura, dedicava-se ao tratamento da toxicodependência. Porque se desvinculou desta área?
Saudades da minha família, sensação de dever cumprido e a tese de doutoramento que publiquei na Prime Books (Dedo na Ferida). Prometi à minha mulher, Daiana, que nunca mais tocaria nesta história que durou um quarto de século. Era uma vida muito desgastante.
Chegou a dormir na sua clínica em Gondomar, no distrito do Porto. Como foi esse período?
Vivi oito meses na clínica, antes de me mudar para um apartamento nos Pinhais da Foz . A sala de espera tinha um sofá, onde dormia à noite e fazia a sesta. Levantava-me às 7 da manhã, ia às camaratas, acordava-os, ia com eles ao ginásio ou acompanhava-os noutras actividades desportivas – mas não me apanhavam a fazer escalada, rapel ou slide. Cada pessoa tinha um approach diferenciado.
Faziam escalada?
A clínica do Porto tinha uma rampa para escalada, rapel e slide ; um campo de futebol e de voleibol, e um ginásio. O presidente do FC Porto cedeu-me o preparador físico na altura, Roger Spry [1996] para treinar os toxicodependentes duas vezes por semana. À custa disso, sou sócio do FC Porto com quotas pagas. Hei-de ser enquanto Pinto da Costa for presidente do clube. Tive a taxa de resultados mais fantástica de sempre, muito acima dos 60%. Assisti à transformação de pessoas com condições sociais aflitivas, vendo ali ao lado delas, com alegria contagiante, a mesma ilustre pessoa que viam nos jornais desportivos – o Jogo,A
Bola ,o Record. Roger Spry completava – e de que maneira – o trabalho dos psicólogos e das assistentes sociais, dando um empurrão decisivo. A assistente social, Cristina Garcia, fazia com eles actividades no exterior: patinagem no gelo que havia num shopping no Porto, ou levava-os para a pesca com o senhor Carneiro, o motorista da carrinha.
A sua primeira clínica, em Galamares, Sintra, que abriu em 1991, fechou em 2001 devido a queixas dos vizinhos. O que aconteceu?
A comissão de moradores insurgiu-se. E eu percebo um bocado. Porque eles [toxicodependentes] paravam o carro e antes de entrarem fadepois
“Fazemos anosno mesmo dia. Jantei com ele [MickJagger] eo staff num restaurante em Cascais. É uma pessoa tranquilíssima”
ziam a despedida e deixavam as seringas no passeio. Quem é que gosta de uma coisa daquelas? [Os moradores] agarravam nas seringas com papel higiénico e iam à GNR.
Hoje o paradigma do consumo é muito diferente. Quer comentar?
A droga mais complicada era na altura uma brincadeira – os charros, derivados da canábis. Na época tinha 2% ou 3% do seu princípio activo. Punha as pessoas a rir, era um estimulante intelectual, permitia associações de ideias mais engraçadas. Tinha o epíteto de droga leve, porque na realidade o THC [principal substância psicoactiva] estava levemente representado. Hoje o THC passou de 2 a 3% para 20 a 30%. O que era leve passou a duro. Há psicoses irreversíveis. Casos de doenças bipolares e esquizofrenia irreversíveis, devido ao alto teor de THC.
Conhece muitos casos de psicoses irreversíveis?
Caramba…! Miúdos de 20 anos com a cabeça toda estragada e os pais desesperados. Passam-se e nunca mais voltam a ser o que eram. Os derivados da canábis antes punham as pessoas a rir, hoje põem-nas nos gabinetes dos psiquiatras e psicólogos. O charro é dramático.
Militou no PSD, foi médico de Pedro Santana Lopes quando ele foi primeiro-ministro (2005) mas saiu do partido. Porquê?
Após a notícia da iniciativa do partido de abrir uma “sala de chuto” em Lisboa, fui à São Caetano [sede na Lapa], e desisti da militância. Neste momento não tenho partido.
Santana Lopes tentou segurá-lo?
Não me demoveu porque não soube. Eu não tive a educação e a presença de espírito para avisar os meus dois proponentes: o dr. Santana Lopes e o dr. Gomes da Silva.
Ainda é médico dele?
Não. Sou “só” amigo.
Porque é que vive num hotel?
Tive cá o meu filho Bernardo durante muito tempo comigo. É uma grande comodidade, tem segurança, em qualquer altura posso pedir room
service. Vivo aqui há seis anos. Temos um quarto que agora é uma casa. Tem um bocadinho de relva. Ninguém me tira daqui. W