A Sicília de Leonardo Sciscia e da família Florio
Um clássico dos anos 60 que marcou a literatura italiana e as narrativas sobre a máfia, outro mais contemporâneo, que marca a explosão mediática do interesse sobre a bela mas contraditória ilha mediterrânica. Excelentes companhias de viagem.
TODO O MUNDO SICILIANO
ASicília é um mundo, A sempre o soubemos. Podemos conhecê-la através de todo o tipo de lugares-comuns da indústria turística. Tem praias de sonho, águas cálidas do Mediterrâneo, história por todos os cantos, património clássico de gregos e romanos, fenícios e normandos e uma gastronomia que a eleva ao altar dos deuses de todas as latitudes.
Há cidade mais bela que Taormina e os seus postais eternos do Etna e do Teatro Grego, imortalizada por Woody Allen mas hoje pela série White Lotus, que a transformou no grande polo de atração do mais desejado dos turistas, o norte-americano?! Há cidade mais misteriosa, clássica, arrepiante e bela que Palermo?
A Sicília é um manancial inesgotável de clichés turísticos. Mas também é uma ilha carregada de densidade histórica, de simbolismos e contradições que a fazem oscilar entre a luminosidade humanista e uma negritude lunar incontornável. E esse é o caminho mais fascinante para verdadeiramente conhecer a bela ilha mediterrânica.
Seguindo por aqui, peguemos na obra do grande Leonardo Sciascia. O Dia da Coruja, um clássico de Sciascia, sem desmerecer Todo Modo, O Contexto, O Conselho do Egipto, foi finalmente editado em Portugal, pela Presença. Il Giorno della Civetta (Turim, Einaudi, 1961), edição original, é o livro que representa toda a força novelesca e política de Sciascia. O maestro de Racalmuto é mais do que um dos grandes escritores que desmontaram a máfia. Sciascia foi mais longe. Criou a metáfora da sicilianização do mundo: qualquer sítio pode ser a Sicília sempre que o poder é gerido a partir da dupla verdade, moral e contabilidade.
As deambulações do continental capitão Bellodi na investigação do assassinato de Colasberna representam essa geografia de todas as ancestrais tensões italianas.
No país que inventou o fascismo e consagrou a democracia cristã como única solução admissível em democracia, Bellodi é republicano, honesto, antifascista (estamos em 1960) e cai no paraíso dominado pela astúcia da sobrevivência. Um grande guia da ilha e, sobretudo, do mundo siciliano. ●