AS BOAS PESSOAS VIAJAM MAIS
Em 1867, o escritor norte-americano Mark Twain tinha 32 anos e viajava num barco a vapor pela Europa e pela Terra Santa. Dessa viagem de cinco meses nasceu o livro Innocents Abroad, editado dois anos depois e uma das suas obras mais vendidas. A dado momento pode ler-se algo como: “Viajar é mortal para o preconceito, intolerância e pequenez de espírito e muita da nossa gente sofre intensamente desses problemas. Não se podem ter visões largas, saudáveis e generosas dos homens e das coisas se vegetamos num pequeno canto da Terra durante a vida inteira.”
Vem isto a propósito da manifestação racista e de ódio anti-imigrantes que aconteceu em Lisboa no início de fevereiro de 2024. Nem imaginam o asco com que acabo de escrever a última frase. Os meu bisavós foram para Argentina e para o Uruguai no início do século XX em busca de trabalho e condições de vida; os meus avós escolheram o Brasil em meados do século passado para fugir à ditadura e à pobreza em Portugal; o meu pai elegeu França na década de 80 para tentar realizar os seus sonhos. Eu, felizmente, não tive de me mudar para outro país, mas passo a vida a visitá-los. E sei como isso tem feito de mim uma pessoa melhor, mais tolerante, mais aberta à diferença, mais respeitadora de quem larga tudo no seu país para começar de novo num destino muitas vezes desconhecido.
Como disse o Sr. Twain, o preconceito mata-se com o conhecimento das viagens. E é disso que falamos, de preconceito, de falta de inteligência, de pouca cultura, de nenhuma empatia. Aos racistas, falta mundo e conhecimento. Estudassem e viajassem e seriam pessoas decentes. Mas não são. Aceitá-los, desculpá-los ou votar a seu lado é um insulto para Portugal e para os portugueses. Andamos pelo mundo há mais de 600 anos, cometemos crimes e excessos – e temos de falar abertamente sobre isso –, mas também somos responsáveis pela miscigenação e pelo encontro de culturas. Temos um papel histórico de intermediários, talento para a diplomacia nas altas esferas da ONU ou naquele grupo a que nos juntamos, nas férias, para uma excursão a uma cidade, montanha ou passeio de barco. Somos os que falam espanhol e inglês, que arranham francês, esbracejam até se fazerem entender por um chinês, encontram pontos em comum com um esquimó, se sentem em casa em Marrocos, que não resistem à muamba e ao funaná.
Sair à rua para protestar contra os imigrantes que escolhem Portugal para viver é cuspir na cara dos portugueses que fizeram e refizeram as suas vidas na Suíça, na Alemanha, em França, no Brasil, em Angola, no Canadá ou nos EUA. É maldade e falta de conhecimento da história e do passado. ●
Aos racistas, falta mundo e conhecimento. Estudassem e viajassem e seriam pessoas decentes