D. Amélia ainda provou os mexilhões da Adraga
Refúgio da última rainha portuguesa e de Francisco Sá Carneiro com a sua Snu, o restaurante a que a praia deu nome está há mais de cem anos nas mãos da mesma família. Já não é preciso ir até lá de burro, mas na ementa, onde o peixe de mar é rei, o tempo quer-se assim, parado.
Um dia, ainda antes
U de Portugal ser uma República, e quando numa pequena tasca de madeira sem nome se cozinhava um arroz de mexilhões com jaquinzinhos fritos, Maria Libânia da Silva, mais conhecida por Maria Louceira, olhou para a praia ali mesmo em frente e avistou a Rainha Dona Amélia. “A Praia da Adraga era a praia de eleição da Rainha. Vinha muito para aqui fazer piqueniques”, conta Jorge Pimenta, bisneto de Maria, à SÁBADO. “Quando a minha bisavó a foi cumprimentar, perguntou-lhe se queria provar o petisco feito com os mexilhões apanhados aqui mesmo, acompanhado por aqueles carapaus de gato que na altura ninguém comia.” A Rainha não só provou, como a partir daí trocou várias vezes a merenda dos piqueniques reais (com mesa, toalha branca e cadeiras em cima da areia) por peixe muito fresco e sempre do mar – o único que se serve ali. “E o que sobrava do piquenique mandava dar à minha avó”, acrescenta Suzete, mãe de Jorge, lembrando as origens de um restaurante há mais de 100 anos nas mãos da mesma família.
Não fosse os pais de Maria Libânia terem uma pequena olaria em Mafra, que os fazia andar de terra em terra a vender recipientes de barro, e a história podia ser outra. Porque a vida de Libânia cruzou-se com a do bisavô Francisco num desses périplos para escoar produção, algures na aldeia de Almoçageme, a dois quilómetros da Adraga. “O meu bisavô vivia ali, da agricultura e da pesca, e a dada altura criou um abrigo na praia, onde fazia refeições para ele e para outros pescadores.” Quando os pedidos de almoços se multiplicaram, o casal falou com os donos do terreno e fez nascer a antiga Casa de Pasto.
“Esta sala até ao 25 de Abril era uma esplanada”, diz Jorge sobre o imenso salão agora coberto, de onde se veem vários
banhistas corajosos, que aproveitam os 19 graus de fevereiro para um banho de mar.
“A luz também só veio para aqui em 1978. Antes disso o meu avô ia a uma fábrica de gelo de Cascais e trazia os blocos no autocarro. Tínhamos arcas de madeira forradas com folha de alumínio, onde se punham as bebidas, com a metade do bloco que chegava cá por cima. E água canalizada só em 1984, até aí o máximo que havia era um depósito que os bombeiros vinham encher sempre que era preciso.” Nessa altura, Suzete ia quase sempre trabalhar a pé, às vezes na burra que o pai lhe emprestava quando não precisava dela (“era o meu Mercedes, brinca”).
Ao longo destes 119 anos, só a ementa mudou pouco. Tal como acontece com os mexilhões – que se mantêm: ao natural (€13), à Bulhão Pato (€14) ou à espanhola (€15) – também no resto continua a ser o mar a ditar as regras: às vezes há ostras e percebes, quase sempre amêijoas à Suzete (€55/quilo, com camarão, alho e coentros, receita inventada pela própria) e uma deliciosa sapateira recheada (€35/quilo).
Nos pratos principais, poucos saem dali sem comer um robalo, dourada ou sargo, que em alguns casos chegam às casas próximas. “O Dr. Ferro Rodrigues foi preso antes do 25 de Abril e quando deu um jantar para celebrar os 50 anos da libertação, perguntou-me se lhe arranjava um peixe e o entregava na casa dele”, conta Jorge. Foi assim que o antigo presidente da Assembleia da República celebrou a saída de Caxias, onde foi parar depois de, em 1973, ter participado numa manifestação. À mesa estava, também, Marcelo Rebelo de Sousa.
“Jantámos nesse Primeiro de Maio em Almoçageme (...) em redor de um fantástico robalo trazido e preparado pelo nosso amigo Jorge do Restaurante da Adraga”, escreveu o próprio no livro de memórias Assim Vejo a Minha Vida. Só faltou a sobremesa, o célebre merengue de morango (€7), receita da mulher de Jorge, que há quem reserve por telefone ou logo à chegada. Ou a tarte de maçã com creme brûllé, a de chocolate... Enfim, a escolha é difícil.
Além do casal, na sala Jorge tem um irmão e um filho; às vezes o padrasto, já reformado, que aparece para dar uma ajuda e matar saudades. De tempos como aqueles em que Bessone Basto, campeão português de natação, também andava por ali. “Vinha pescar e fazer caça submarina e o meu avô ajudava-o com o barco. Depois almoçava aqui ou deixava um peixe para agradecer a ajuda.” ●
Restaurante da Adraga, R. da Praia da Adraga, 2705-063 Colares. Tel.: 219 280 028 De 3.ª a domingo, 12h30-21h30 Preço médio: €30
Ferro Rodrigues celebrou a sua libertação de Caixas, onde esteve preso em 1973, com um robalo