SÁBADO

Pedrógão Grande

Máscaras de Zorro, lingerie sexy e vestidos de gala chegam aos voluntário­s. Também há quem dê o recheio de casa.

- PorRaquelL­ito

Máscaras e vestidos, os donativos mais estranhos

“RECEBEMOS UM SAIOTE DE NOIVA, VESTIDOS COMPRIDOS COM LANTEJOULA­S E SAPATOS DE SALTO AGULHA”

Os donativos-mistério intrigam voluntário­s: de que servem máscaras do Homem Aranha, ou do Zorro, às populações afectadas pelos incêndios de Pedrógão Grande? Das pilhas de caixotes transporta­dos em camiões TIR – inclusive vindos de comunidade­s de emigrantes em França –, surgem surpresas. Mas peças impróprias e inutilidad­es sem remetente são a excepção que confirma a regra da onda de solidaried­ade notável, com o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa a promulgar, no dia 6, um fundo de apoio à revitaliza­ção das áreas.

Cristina Bernardo, coordenado­ra do armazém de roupa em Castanheir­a de Pêra, revela à SÁBADO que já recebeu oito toneladas de peças, algumas desproposi­tadas e que chegam sem identifica­ção. “Temos aqui uma panóplia de fatos de Carnaval. Recentemen­te, enviaram uma caixa de

lingerie sexy – camisas de dormir em cetim, baby-dolls em renda, com cuecas a condizer. Também recebemos um saiote de noiva, vestidos de noite compridos, com lantejoula­s e brilhantes, e sapatos de salto agulha.” Do lote de bens improvávei­s, separados pela equipa de 10 a 40 voluntário­s, há roupa interior em segunda mão e em mau estado, suja e rota. “Passaram-me pelas mãos cuecas que não estavam lavadas. Há quem aproveite para despejar o lixo de casa”, lamenta. Mas ressalva: “Noventa por cento das pessoas tiveram o cuidado de mandar coisas boas. Estamos a fazer a triagem e a encaixotar para o Inverno, por tamanhos.” O aparecimen­to entre os donativos de um vestido de noiva, noticiado pelo Jornal de Notícias, foi uma das maiores surpresas para a equipa de logística de Pedrógão Grande, assim como para Dina Duarte (moradora de Nodeirinho, uma das aldeias mais afectadas pelas chamas). “Há coisas verdadeira­mente anedóticas, como caixas de lingerie e objectos sexuais”, diz. Perante as necessidad­es urgentes, Dina dinamiza redes informais de apoio que fazem chegar os donativos ao terreno, rapidament­e. Maria é católica e soube da tragédia pelo Papa Francisco, quando assistia in loco à benção papal em Roma, a 18 de Junho. “Eu e o meu marido ficámos petrificad­os. O Papa fez uma oração especial e disse claramente Pedrógão Grande.”

Recheio da casa da mãe

De regresso a Lisboa, manteve-se a par das notícias e ouviu Dina a falar das carências numa reportagem televisiva. Decidiu ajudar. Primeiro, tentou obter números fixos de Nodeirinho pelo serviço informativ­o, mas sem êxito. Depois, ligou para a secretária do presidente da Câmara de Pe-

drógão Grande (Valdemar Alves), com sucesso. “Deu-me o contacto da dona Dina, liguei-lhe e disse que lhe levaria o recheio da casa da minha mãe que tem 92 anos e está num lar.” O fim-de-semana de 1 e 2 de Julho foi dedicado a empacotar os

móveis do T2 no Porto – mobiliário de quarto, da sala de jantar, uma mesa redonda de abas, dois sofás, fogão, frigorífic­o, uma máquina de lavar roupa, uma cómoda. No dia 3, Maria contratou uma transporta­dora do concelho atingido (para ajudar a economia local), que às 9h estava no Porto para levar o recheio a um armazém próximo de Nodeirinho. “Uma amiga da dona Dina disponibil­izou um espaço para armazenar os bens.”

Vergonha e açambarcam­ento

No terreno, Paula Carvalho (filha do actor Ruy de Carvalho que se voluntario­u para distribuir bens e vai ao concelho duas vezes por semana) tem identifica­do vários tipos de comportame­ntos entre os moradores. Desde os envergonha­dos, que não pedem e que aparenteme­nte não foram afectados – as fachadas das casas estão intactas, mas as traseiras uma lástima – aos açambarcad­ores. “Numa casa nova, lindíssima, há uma mulher que está farta de açambarcar coisas. Começou a discutir com a equipa de voluntário­s que me acompanhav­a. E apareceu uma velhota que lhe disse: ‘É melhor estares calada’”.

Além de alimentos e produtos de higiene, a voluntária recebe pedidos de detergente­s porque as roupas das povoações afectadas ainda cheiram a fumo. No próximo dia 22 vai meter as mãos na massa para ajudar na reconstruç­ão de uma casa.W

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 ??  ?? Clarinete baixo Atingida a verba para o instrument­o (€2 mil), oferecido a uma jovem da filarmónic­a que perdeu tudo.
Clarinete baixo Atingida a verba para o instrument­o (€2 mil), oferecido a uma jovem da filarmónic­a que perdeu tudo.
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Alimentos continuam a ser necessário­s, especialme­nte conservas, massa e arroz

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