A ignorância fala alto no Galpgate
Aignorância tem falado alto no chamado Galpgate, que demitiu três secretários de Estado. Tem prevalecido a ideia de que as viagens – com jantar e bilhete de futebol incluídos – pagas pela Galp a governantes e autarcas ao Euro 2016 são censuráveis no plano ético, mas não representam um crime, e que, por outro lado, o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) estão a invadir o campo da política, numa manifestação de populismo judicial. Nada mais errado.
Em Portugal vigora o princípio da legalidade, o que significa que todos os crimes conhecidos pelas autoridades, por queixa ou informação pública, são obrigatoriamente investigados. Portanto, desde que a SÁBADO revelou há um ano as viagens proibidas dos ditos governantes à final do Euro em Paris, tanto o MP como a PJ não tinham alternativa senão investigar. Era, aliás, totalmente previsível que o processo estivesse agora a ser concluído e que os políticos em causa fossem acusados, pois o respeito pelos prazos tem sido uma das marcas distintivas da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ. Depois, a inaceitável desvalorização do crime em causa, previsto no artigo 372 do Código Penal e no artigo 16 da famosa lei dos crimes da responsabilidade dos titulares de cargos políticos, que pune o recebimento indevido de vantagem. Os mais exigentes podem ir ler as obras de professores como Damião da Cunha ou Cláudia Cruz Santos, entre outros, mas para perceber o básico basta mesmo uma breve pesquisa na Internet. Por aí, quem tiver a necessária capacidade intelectual para validar a informação recolhida (nem todos os que falam nos media a exibem…) fica a saber que estamos perante uma das formas clássicas do crime de corrupção, que a actual formulação resulta de um projecto de lei do PS na comissão parlamentar (eventual) que em 2010 estudou o problema, que comporta uma forma de direito premial, que basta a solicitação de vantagem e não o seu efectivo recebimento, que a referência aos usos e costumes é uma controversa cláusula de exclusão da ilicitude apenas aplicável a pequeníssimas dádivas ou gratificações a funcionários provenientes de pessoa não interessada no exercício das funções daqueles.
Nem tudo é cristalino, claro, e os “usos e costumes” são um cheque em branco que o chamado “legislador”, no caso uma maioria política, passou a si próprio, mas quem melhor do que os brilhantes juristas que são Fernando Rocha Andrade e Jorge Oliveira conhece os caminhos da sua própria defesa!? Pois, não se cansem com proclamações patéticas nos programas de rádio e televisão sobre o tal de populismo judicial, que os arguidos em causa são os primeiros a saber que não é disso que estamos a falar, e quais os buracos da lei por onde hão-de construir as respectivas defesas. Só para finalizar: o crime não é novo na lei portuguesa, mas as mudanças operadas tiveram inspiração na lei alemã onde tudo começou… por causa de umas ofertas de bilhetinhos para jogos do Mundial 2006. Deveriam era estar a congratular-se por a UNCC da PJ e o MP terem tido um funcionamento exemplar. Se ainda têm dúvidas, perguntem a outros juristas brilhantes, como António Costa, Francisca Van Dunem ou Eduardo Cabrita…
O escândalo da CGD
Tão inaceitável como receber prendas da Galp para ir à bola é o que o PS está a fazer na comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2016, através do deputado Carlos Pereira, relator das conclusões. Afinal, enganámo-nos todos. A CGD não foi controlada politicamente, os créditos concedidos não conheceram pressões políticas, a culpa do buraco de 5 mil milhões é da crise. O Bloco Central nunca existiu, a influência do GES e Ricardo Salgado sobre toda a banca, pelo menos entre 2000 e 2010, também não, muito menos Sócrates e os seus amigos. Siga a festa.