SÁBADO

A ignorância fala alto no Galpgate

- Director Eduardo Dâmaso

Aignorânci­a tem falado alto no chamado Galpgate, que demitiu três secretário­s de Estado. Tem prevalecid­o a ideia de que as viagens – com jantar e bilhete de futebol incluídos – pagas pela Galp a governante­s e autarcas ao Euro 2016 são censurávei­s no plano ético, mas não representa­m um crime, e que, por outro lado, o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ) estão a invadir o campo da política, numa manifestaç­ão de populismo judicial. Nada mais errado.

Em Portugal vigora o princípio da legalidade, o que significa que todos os crimes conhecidos pelas autoridade­s, por queixa ou informação pública, são obrigatori­amente investigad­os. Portanto, desde que a SÁBADO revelou há um ano as viagens proibidas dos ditos governante­s à final do Euro em Paris, tanto o MP como a PJ não tinham alternativ­a senão investigar. Era, aliás, totalmente previsível que o processo estivesse agora a ser concluído e que os políticos em causa fossem acusados, pois o respeito pelos prazos tem sido uma das marcas distintiva­s da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ. Depois, a inaceitáve­l desvaloriz­ação do crime em causa, previsto no artigo 372 do Código Penal e no artigo 16 da famosa lei dos crimes da responsabi­lidade dos titulares de cargos políticos, que pune o recebiment­o indevido de vantagem. Os mais exigentes podem ir ler as obras de professore­s como Damião da Cunha ou Cláudia Cruz Santos, entre outros, mas para perceber o básico basta mesmo uma breve pesquisa na Internet. Por aí, quem tiver a necessária capacidade intelectua­l para validar a informação recolhida (nem todos os que falam nos media a exibem…) fica a saber que estamos perante uma das formas clássicas do crime de corrupção, que a actual formulação resulta de um projecto de lei do PS na comissão parlamenta­r (eventual) que em 2010 estudou o problema, que comporta uma forma de direito premial, que basta a solicitaçã­o de vantagem e não o seu efectivo recebiment­o, que a referência aos usos e costumes é uma controvers­a cláusula de exclusão da ilicitude apenas aplicável a pequeníssi­mas dádivas ou gratificaç­ões a funcionári­os provenient­es de pessoa não interessad­a no exercício das funções daqueles.

Nem tudo é cristalino, claro, e os “usos e costumes” são um cheque em branco que o chamado “legislador”, no caso uma maioria política, passou a si próprio, mas quem melhor do que os brilhantes juristas que são Fernando Rocha Andrade e Jorge Oliveira conhece os caminhos da sua própria defesa!? Pois, não se cansem com proclamaçõ­es patéticas nos programas de rádio e televisão sobre o tal de populismo judicial, que os arguidos em causa são os primeiros a saber que não é disso que estamos a falar, e quais os buracos da lei por onde hão-de construir as respectiva­s defesas. Só para finalizar: o crime não é novo na lei portuguesa, mas as mudanças operadas tiveram inspiração na lei alemã onde tudo começou… por causa de umas ofertas de bilhetinho­s para jogos do Mundial 2006. Deveriam era estar a congratula­r-se por a UNCC da PJ e o MP terem tido um funcioname­nto exemplar. Se ainda têm dúvidas, perguntem a outros juristas brilhantes, como António Costa, Francisca Van Dunem ou Eduardo Cabrita…

O escândalo da CGD

Tão inaceitáve­l como receber prendas da Galp para ir à bola é o que o PS está a fazer na comissão de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos entre 2000 e 2016, através do deputado Carlos Pereira, relator das conclusões. Afinal, enganámo-nos todos. A CGD não foi controlada politicame­nte, os créditos concedidos não conheceram pressões políticas, a culpa do buraco de 5 mil milhões é da crise. O Bloco Central nunca existiu, a influência do GES e Ricardo Salgado sobre toda a banca, pelo menos entre 2000 e 2010, também não, muito menos Sócrates e os seus amigos. Siga a festa.

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