“O DR. SALGADO TINHA-ME DITO QUE ERA PARA AJUDAR AO TEMA PT” NETO SOBRE OS CONTRATOS QUE FEZ PARA NEGÓCIOS FICTÍCIOS DE PETRÓLEO
PPedro Ferreira Neto, antigo administrador do Grupo Espírito Santo (GES) e da Escom, foi inquirido duas vezes na Operação Marquês como testemunha. No total, respondeu às perguntas dos investigadores durante cinco horas e seis minutos, mas o mais importante depoimento foi o segundo, a 26 de Janeiro deste ano. Tudo o que Pedro Neto tinha deixado no ar na primeira inquirição, a 28 de Dezembro de 2016, e que necessitava de verificação com datas, emails, documentos, foi confirmado quando se sentou na sala 2 do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Apareceu com um caderno de notas pessoais e um computador com informações que foram consideradas relevantes pelo Ministério Público (MP). Sem a presença de qualquer advogado (nos dois testemunhos), Pedro Neto explicou a entrada e a dos sócios, Hélder Bataglia e Luís Horta e Costa, no negócio do Vale de Lobo, e deixou informação abundante sobre o Grupo Escom, que nasceu de uma sociedade entre o GES e Hélder Bataglia, tendo o próprio Neto e Luís Horta e Costa como administradores. E sobretudo revelou o que esteve por trás dos actos e pagamentos que o relacionam directamente com transferências de milhões não justificados para Bataglia e o primo de Sócrates, José Paulo Pinto de Sousa. Mas disse mais, pois relacionou os pagamentos com alegadas ordens recebidas de Ricardo Salgado para fazer um contrato fictício e parte de outro para justificar o fluxo inicial de capitais para Bataglia. O segundo depoimento de Pedro Ferreira Neto acabou assim por comprometer Salgado logo numa transferência de 3,5 milhões de euros, em
Maio de 2006, para Hélder Bataglia, após uma passagem pelas suas contas. “Para fazer aquilo, tinha de ter o conforto do dr. Ricardo Salgado, senão não fazia”, afirmou ao procura- dor Rosário Teixeira e aos inspectores tributários Paulo Silva e Ana Barroso.
Foi também com o “conforto” e a pedido de Salgado que fez outras transferências milionárias a partir de contas suas e um draft de um contrato fictício para Hélder Bataglia sobre prospecção de petróleo no Congo, com referência a pagamentos a realizar, mas que na realidade se destinavam a compensar ajudas em negócios da PT ou a travar a OPA da Sonaecom a esta empresa. Pedro Neto relacionou também claramente alguns dos pagamentos que passaram pelas suas contas, assumindo que acabou por perceber ter sido um peão nessas operações que visavam impedir a OPA da Sonae. E contou como tudo começou em 2006.
Pedro Ferreira Neto (PFN): “Estava no Algarve num fim-de-semana prolongado de 2006 [situou isso a 25 de Abril ou a 1 de Maio] com a minha mulher (grávida) e os meus sogros e tive de vir embora e apanhar um avião para o Dubai, com o dr. Ricardo Salgado e o Hélder Bataglia para tentar arranjar um parceiro para contrapor, para resolver o problema da luta contra a OPA da Sonae, que é nessa altura…”
Paulo Silva (PS): “A OPA da Sonae é pública desde Fevereiro de 2006…”
PFN: “Fomos lá para tentar arranjar alguém para lançar uma contra OPA à da Sonae… não deu em nada, depois segui a minha vida. (…) Mas estava a tentar recordar-me porque é que fui ajudar o Hélder a transferir 3,5 milhões duas semanas depois…”
PS: “Mas era claro, nessa altura, que o dr. Ricardo Salgado era contra a OPA e estava preocupado com ela?”
PFN: “Claro. Tiraram-me do Algarve, onde estava com a minha mulher e os meus sogros, para me meterem num avião e ir para o Dubai…”
PS: “Quem é que lhe fez o convite? O Hélder Bataglia? O dr. Ricardo Salgado?”
PFN: “(pausa) É difícil agora recordar…”
PS: “Mas tinha ainda ligações ao BESI?”
PFN: “Tinha, tinha… (…) Estive lá até ao fim.”
Rosário Teixeira (RT): “A questão aqui é encontrar uma explicação para essa operação dos 3,5 milhões…”
PFN: “Para eu ter aceitado, porque não me recordo de mais nenhuma altura, daí para a frente, que tenha aceitado mexer em dinheiro da Escom para fazer uma operação deste género. É porque os dois accionistas estavam perfeitamente conscientes que isto foi feito porque era preciso fazer.”
RT: “Quando falamos em dois accionistas…”
PFN: “O Espírito Santo e o Hélder (…) ainda por cima para terminar com os fundos na conta do Hélder.”
PS: “Mas a seguir a isso, o Hélder pega em
“Mas as transferências para Carlos Santos Silva... Conhecia-o? – Nunca conheci!” PEDRO NETO A RESPONDER A UMA PERGUNTA DO INSPECTOR TRIBUTÁRIO PAULO SILVA PEDRO NETO CONFIRMOU QUE ELABOROU CONTRATOS FICTÍCIOS PARA JUSTIFICAR PAGAMENTOS NA PT
seis milhões e manda para uma sociedade chamada Gunter [offshore do primo de José Sócrates]. E na Suíça é dada como justificação, ao
compliance da UBS, de que isto era para comprar umas salinas, ao José Paulo Pinto de Sousa, com 50 por cento para si e outros 50 para o Hélder Bataglia.”
PFN: “Pois, eu acredito que isso possa estar em algum lado mas é assim, eu, em 2006, não conhecia o José Paulo e, mais do que isso, nunca tive participação em nenhumas salinas. Nunca comprei nenhumas salinas. Eu vim a conhecer o José Paulo muito mais tarde.”
Os esquemas do offshore Pinsong
A estratégia de Rosário Teixeira e Paulo Silva seguiu uma linha de coerência táctica desde o primeiro depoimento. Avançou ao ritmo da aranha que vai tecendo a teia. Depois do lançamento de um tema, seguiu-se o enquadramento e a evidência das contradições ou os factos sem explicação (sempre protagonizados pelo próprio depoente). Uma técnica apoiada pelo inspector tributário Paulo Silva, assessorado pela colega Ana Barroso, que detinha todos os números suspeitos: as verbas transferidas e recebidas, os números de contas, as datas. Naquele momento, o que esteve em causa foi uma movimentação financeira directa de uma conta de Pedro Neto para a Gunter, o
offshore do primo de Sócrates.
PS: “250 mil euros sr. dr… Setembro de 2005!” PFN: “Pode ser algum pagamento que eu fiz ao Hélder, assumindo que era para ele. (…) Não sabia que a Gunter era dele [José Paulo] (…) Só pode ser um acerto de contas com o Hélder. Eu, como disse, não conhecia o José Paulo.”
Esclarecida a triangulação de dinheiros provenientes do BES Angola (BESA) e da Escom entre as contas de Pedro Ferreira Neto, Hélder Bataglia e José Paulo, Rosário Teixeira avançou na inquirição para acentuar a relação directa com o ex-presidente do BES.
RT: “O dr. Ricardo Salgado pediu-lhe depois mais alguma diligência no âmbito da OPA?”
PFN: “O evento a seguir a este que se liga a estas questões é o da Pinsong [um offshore controlado pelo GES/BES que transferiu milhões de euros para Zeinal Bava, Granadeiro e outros]…”
Paulo Silva foi o primeiro a aceitar o repto - “Então vamos para essa parte. Em 2007 surge um documento, que tem aí…” -, mas o procurador Rosário Teixeira acrescentou logo outra pergunta: “De alguma forma liga isso ao negócio da OPA?”
PFN: Ligo, ligo. (…) A minha recordação é ligar os eventos de 2007 [transferências para Hélder Bataglia] ao assunto PT… não ligaria a este. Só começando a juntar datas… até fui procurar uma agenda minha de apontamentos…”
RT: “Tem essa agenda consigo?”
PFN: “Tenho… Começando o tema Pinsong (…) Para mim, é uma sociedade que eu nem sequer tinha na memória como tendo participado. Mas, realmente, terei assinado uma…”
PS: “(…) de acordo com as informações que temos, o senhor foi nomeado administrador dessa Pinsong International.”
PFN: “Começando com um enquadramento disto, de 2007 (…) o Hélder tinha tido uma actividade importante na negociação da vinda da China para Angola e uma das coisas que se falava era que iria ter a oportunidade de ficar com um bloco de prospecção de petróleo. Quando se dá a reunião anual do GES em Lausanne, e ainda no período anterior, é-me pedido um contrato entre a Pinsong… E esse contrato terá sido escrito por mim, já comprovei isso nos ficheiros que tenho. Portanto, foi-me pedido para elaborar um contrato para justificar que o Hélder iria receber do grupo uma determinada verba. E eu, realmente, ajudei a fazer esse contrato…” Pedro Ferreira Neto contou depois que foi também na Suíça que esteve com Bataglia e Salgado a tratar do alegado contrato fictício que, na realidade, serviria apenas para justificar a passagem de verbas através da Pinsong para alegados negócios corruptos relacionados com a PT. E o procurador quis perceber melhor o esquema: “Esse contrato diz respeito ao poço de petróleo, mas era relevante para a PT, é isso!?”
PFN: “(…) Eu assino num primeiro momento e tenho ideia que, num segundo momento, terei falado com o Hélder e dito que não me sentia bem a representar a Pinsong nestes contratos. E é por isso que eu não me recordo de ter praticado actos em nome da Pinsong.”
De imediato, a testemunha esclareceu que havia uma discrepância evidente entre a data do documento que o nomeara administrador da Pinsong, aparentemente em Janeiro de 2007, e o que se passara na realidade. O ex-administrador do GES recorreu ao já referido caderno de notas pessoais, apreendido após a inquirição, para confirmar tudo. Segundo esta versão, foi ele a tratar do contrato, em nome da Pinsong, a favor de Bataglia,