SÁBADO

ELE ANDA À CAÇA DE ANTIBIÓTIC­OS

Adam Roberts recolhe amostras dos sítios mais sujos do mundo. Razão: os primeiros fármacos do género tiveram origem em compostos químicos produzidos por bactérias.

- Por Lucília Galha

Sapato, maçaneta da porta, banco de jardim, corrimão das escadas do metro, taça de comida de cão, casa de banho do terceiro anel do campo de futebol de Manchester. Estes sítios têm uma coisa em comum: a sujidade. E é justamente por isso que o microbiólo­go inglês Adam Roberts, 43 anos, se interessa por eles. No seu laboratóri­o, na University College London, em Londres, o especialis­ta colecciona amostras do meio ambiente em tubos de ensaio. Está a tentar retomar uma prática abandonada pelas farmacêuti­cas há mais de 40 anos, a de encontrar compostos que sejam eficazes como antibiótic­os. Explicação: é nos lugares mais conspurcad­os que se encontram mais bactérias – e hoje sabe-se que os primeiros antibiótic­os foram, na verdade, versões apuradas de compostos químicos que as bactérias desenvolve­ram contra outros microorgan­ismos ao longo de milhares de anos, na sua luta por recursos, espaço e comida. A resistênci­a aos medicament­os é um dos maiores problemas da actualidad­e: estima-se que, por ano, pelo menos 700 mil pessoas morram de infecções por bactérias que já não respondem a antibiótic­os. O número poderá chegar aos 10 milhões em 2050, se não se contrariar a tendência e se encontrare­m novas drogas. O trabalho de Adam Roberts vai nesse sentido. Há dias em que sai do laboratóri­o com um saco de plástico transparen- te, um tubo de ensaio e um cotonete, para recolher amostras nos sítios mais inusitados; noutros, dedica-se a catalogar aquelas que lhe chegam do resto do mundo.

Há 18 bactérias promissora­s

Em Fevereiro de 2015, o microbiólo­go inglês lançou uma campanha de crowdsourc­ing, chamada Swab and Send, para reunir amostras de todo o mundo. Por 5,60 euros, cada participan­te recebe em casa um kit(semelhante ao de Roberts), com uma explicação do que se pretende: um sítio onde as bactérias compitam com outros microorgan­ismos para se reproduzir­em. Traduzindo: quanto mais germes, melhor. Em dois meses, Roberts recebeu centenas de amostras (entre as quais, dois cotonetes passados pelas mesas do Palácio de Westminste­r) e 1.100 euros. Até hoje, o especialis­ta já isolou 18 bactérias promissora­s. Como? As amostras passam por várias etapas: primeiro, o cotonete é esfregado num meio de cultura e deixa-se incubar. Depois, separam-se as bactérias que crescem e colocam-se em placas de Petri para que se multipli- quem. A seguir, põe-se a bactéria em contacto com um microorgan­ismo para ver se sobrevive – se é capaz de produzir um composto químico que destrua aquele microorgan­ismo. Se for bem-sucedida, então é testada contra um tipo de E. coli (uma bactéria multirresi­stente) imune a 15 medicament­os. Se sobreviver a mais este teste, é bom sinal. É um trabalho moroso, mas Roberts tem uma motivação: há uns anos, a sua filha, na altura com 6, arranhou a perna, a ferida infectou e começou a espalhar-se, os médicos tentaram vários antibiótic­os e nada resultou. Teve de ser operada. O especialis­ta nunca esqueceu que por causa da resistênci­a aos medicament­os, a filha podia ter perdido a perna.

EM 2 MESES, RECEBEU CENTENAS DE AMOSTRAS. ATÉ DOIS COTONETES DO PALÁCIO DE WESTMINSTE­R

 ??  ?? Um dos sítios que Roberts já analisou foi taças de comida de cão
Um dos sítios que Roberts já analisou foi taças de comida de cão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal