João Pereira Coutinho
NO INÍCIO, ERA O VERBO. Falo do verbo que o Presidente da República usava com abundância – para comentar, festejar, dar palpites e proteger o governo de gripes e constipações. Entende-se. A economia não afundara; o País estava na moda; os portugueses tinham dinheiro no bolso; e o acordo das esquerdas sempre dava para os gastos. Se o futuro era radioso, Marcelo queria associar-se a ele.
Em poucas semanas, a fantasia ruiu: dos mortos de Pedrógão Grande à roubalheira de material militar em Tancos, os portugueses confrontam-se com um Estado ruinoso, inapto e até letal. E agora, com três secretários de Estado na rua e um governo paralisado e agónico, quem, em juízo perfeito, quer associar o seu nome a este espectáculo grotesco?
Depois da verborreia, Marcelo descobriu finalmente as virtudes do silêncio. Será para manter? Mistério. Uma coisa é certa: se o Presidente é tão arguto como dizem, ele já percebeu que é mais importante cair nas graças do País do que nas desgraças do governo.
A VENEZUELA CAMINHA airosamente para a guerra civil –e o PCP confessa apoiar Nicolás Maduro. Não esperava outra coisa dos nossos comunistas: se olharmos para a História, o PCP nunca se notabilizou por um particular amor à liberdade ou à democracia (“burguesas”, claro). Mas confesso certa preocupação com um textículo de Pedro Tadeu no Diário de Notícias. Pedro Tadeu, militante do PCP, não aplaude o governo de Caracas. E depois explica porquê: “Qualquer regime que se suporta no culto da personalidade, com abuso de autoridade, burocratizado e corrupto, não merece o meu apoio.”
Este pequeno excerto, que subscrevo sem hesitar, descreve na perfeição o que foi a história do comunismo no século XX. “Culto da personalidade”? Lenine, Estaline, Mao e outros psicopatas menores. “Abuso de autoridade?” Um eufemismo para o Gulag, o Holodomor, o “Grande Salto em Frente” (para o abismo) e outras aberrações criminosas. “Burocracia e corrupção”? Francamente, não temos espaço. Cada um destes critérios foi escrupulosamente cumprido por todas as experiências comunistas conhecidas. O que permite perguntar: será que Pedro Tadeu é comunista por engano?
A pergunta é imediatamente respondida pelo próprio, que condena Maduro, mas arrasa com a oposição a Maduro. “Arrasar”, aliás, é aquilo que o regime tem feito nos últimos 100 dias. De acordo com a Amnistia Internacional, as imagens que vemos em Caracas não são incidentes isolados de quem procura repor a “ordem pública”. O regime tem promovido um específico terrorismo de Estado, apoiado por milícias civis com treino militar, que já provocou 91 mortos e mais de 1.400 feridos. Verdade que estes números estão longe, muito longe, das medalhas olímpicas que a União Soviética ou a China ofereceram ao mundo. E, como dizia o outro, a morte de um ser humano é uma tragédia; mas a morte de um milhão de pessoas, uma estatística. Espero, sem demasiado optimismo, que o camarada Tadeu continue as suas críticas suaves a Nicolás Maduro. Mesmo que a Venezuela se transforme em estatística.
“TRÊS POR DIA, NEM SABE O BEM
QUELHEFAZIA.”Se alguma produtora de café quiser usar este slogan, cuidado: há direitos de autor a respeitar. Não peço dinheiro. Podem pagar-me em café, sobretudo quando a ciência garante que o café aumenta a longevidade. Para sermos rigorosos, bebemos três chávenas diárias e ganhamos nove minutos a mais. Em termos médios, isso significa mais três meses para os homens e mais um mês para as mulheres. Claro que estes números devem ser vistos com cautela: nos países do Norte da Europa, é possível que esses nove minutos diários sejam realmente vantajosos. Mas em países do Sul, como Portugal, toda a gente sabe o que significa “vou só beber um café”: é meia hora de conversa, o que obviamente anula os nove minutos de bónus que o produto oferece.
Em termos rigorosos, podemos até indagar se beber café, longe de prolongar a vida, não a encurta. Imagino, aliás, um filme à Ingmar Bergman em que a Morte aparece a um homem para o levar. Ele, espantado e aterrado, suplica: “Mas eu bebi sempre café, ainda tenho direito a mais três meses.” E a Ceifeira, com um sorriso cínico, responde: “Ai sim? E o paleio no bar com o pessoal dos recursos humanos?”