SÁBADO

A prisão como escola

Usou o tempo para aprender com quem o podia ensinar

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do”, disse Colaço ao jornal. Arrependid­o, depois da revolução tentou contactar alguns presos que o marcaram, justificar-se, redimir-se. Edmundo foi dos poucos a aceitar o gesto e as conversas na sala de casa. E o ex-PIDE passou a ligar sempre pelo Natal.

Aderiu ao recém-formado PS em 1973. Mas António Reis, fundador e dirigente do partido, recorda-o mais no PREC, um período politicame­nte tenso e em que esteve “muitíssimo activo, sempre envolvido em muita coisa”. Nessa altura, recorda, “era um dos responsáve­is pela segurança do PS, com o Manuel Alegre, articulava­m-se”. Foi ele, recorda, “o responsáve­l pela distribuiç­ão de armas pelas sedes do PS”, no Verão Quente de 1975. Uma história que acabaria mal (na prisão outra vez), e que o deixou magoado com muita gente. “Ele nunca refez completame­nte a relação com o Manuel Alegre, por exemplo”, recorda António Reis. “E teve que ver com isso.” Apesar de Alegre até ter apresentad­o um dos seus livros, Edmundo Pedro não o apoiou, por exemplo, na candidatur­a presidenci­al de 2010, em que foi o candidato suportado pelo PS, preferindo votar em Fernando Nobre, indício de que a mágoa durara décadas. Em cada entrevista, não escondia a dor pelo que lhe tinha acontecido.

Armas, prisão e mágoa

“Em 1975 ele teve muitas reuniões connosco”, recorda Vasco Lourenço, que era porta-voz do Conselho da Revolução. Fez mais do que reunir: Ramalho Eanes e Garcia dos Santos – ambos futuros protagonis­tas do 25 de Novembro de 1975 – estavam a preparar Aprendeu Álgebra e Física com Bento Gonçalves, no Tarrafal. Tinha um outro professor, de Inglês e Alemão, e melhorou sozinho o Francês. Quando saiu, foi essa formação que lhe permitiu encontrar emprego. E mais tarde chegou até a fazer traduções do alemão. o PS para um cenário de confronto armado; Eanes elaborou um plano de operações de sabotagem e guerrilha urbana; e, na véspera do 25 de Novembro, Edmundo Pedro recebeu 150 armas do exército para distribuir pelo PS, para o caso de o dia correr mal. Não correu, e, anos mais tarde, em 1978, já com o País pacificado, Edmundo, então dirigente do PS e presidente da RTP, foi encarregue de recolher de novo as armas, para as devolver ao exército. Começou a juntá-las num armazém da Margem Sul do Tejo que pertencia a uma empresa de electrónic­a da mulher. Até que uma carrinha que ia entregar G3 ao armazém foi detida. Edmundo Pedro dirigiu-se ao local e assumiu a responsabi­lidade dele. Foi preso e acusado de contraband­o de armas e de electrodom­ésticos, houve manchetes sobre o “contraband­ista”. Nunca disse à justiça de onde vinham as armas ou quem lhas tinha entregado. Talvez esperasse que quem lhas tinha dado viesse a chegar-se à frente. Mas na conjuntura política de 1978 lembrar a verdade política de 1975 não interessav­a a ninguém, a não ser ao preso. Mário Soares foi visitá-lo à prisão, pediu-lhe que omitisse os detalhes, havia de se arranjar uma solução. O PS até emitiu um comunicado em que dizia que se tratava “de um comportame­nto de que não tinha conhecimen­to e a que em absoluto é alheio”. No entanto, Soares contou em 2012, em entrevista a Anabela Mota Ribeiro, ao Público: “Fiquei furioso. É preciso pô-lo já em liberdade.” Ficou seis meses preso. Ramalho Eanes era Presidente da República, ter-lhe-á dito mais tarde que se deixou influencia­r pelo que lia na imprensa. “É um episódio triste em que muita gente se portou mal, quer militares, quer o partido dele”, aponta Vasco Lourenço. Aos amigos, Edmundo repetia sempre a mesma justificaç­ão para o silêncio: “Nunca falei na prisão antes do 25 de Abril, não era depois que ia falar.”

Há uns 10 anos, Vasco Lourenço conseguiu localizar e convidar para um almoço o sargento da Guarda Fiscal que prendeu Edmundo Pedro: “O homem estava um pouco reticente, mas disse-lhe para estar à vontade e lá foi. Disse duas coisas nesse almoço: uma, que quando apanharam a carrinha com as armas o Edmundo Pedro não estava lá, não é apanhado na rusga e vai lá de motu proprio ao saber do que se estava a passar. Duas, que não havia lá electrodom­éstico nenhum.” Na sequência do almoço, Vasco Lourenço fez uma petição ao comando da GNR (que absorvera a ex-Guarda Fiscal), para que emitisse um documento a atestar isso mesmo, o que a Guarda fez. “E ofereci-lho, num almoço na FIL, como prenda de anos.” Edmundo Pedro gostava de falar da vida que tinha vivido, talvez por saber que não haverá muitas como a dele. Várias vezes a classifico­u de “fantástica”, incluindo mesmo os momentos mais duros. Em Novembro de 2008, dizia ao Público: “Tudo valeu a pena.”

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O Processo das Armas, de 1987, no hotel Altis
Na apresentaç­ão do seu livro O Processo das Armas, de 1987, no hotel Altis

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