Susana Albuquerque
A especialista em Gestão Financeira e o consumismo
O Dia dos Namorados é um dos mais explorados comercialmente. A publicidade pressiona-nos a comprar presentes especiais. A especialista em gestão financeira individual desmonta a tese consumista e aponta alternativas. Por Sónia Bento “As mulheres ainda acreditam que não são tão competentes como os homens a gerir o dinheiro”
Vivemos numa sociedade de consumo que nos tenta convencer de que quantas mais coisas tivermos mais felizes seremos. Para Susana Albuquerque, responsável da ASFAC – Associação de Instituições de Crédito Especializado, esta é uma ideia completamente errada e é isso que explica a quem frequenta os seus cursos de gestão financeira. A especialista, de 48 anos e mãe de um rapaz de 9, diz que ainda há muita dificuldade em tratar o dinheiro de forma natural. “Há pessoas que não querem falar de dinheiro com medo de perder o amor”, afirmou à SÁBADO.
Para o Dia dos Namorados, propõe sugestões úteis sem gastar muito dinheiro. Que propostas são essas?
A psicologia positiva diz-nos que as coisas que nos trazem mais felicidade são as experiências que vivemos a dois. Não é aquilo que compramos ou recebemos que nos vai fazer mais felizes porque essa felicidade é menos duradoura. Então, para que o Dia dos Namorados se torne memorável e financeiramente sem custos o objectivo é proporcionar essas experiências.
Que tipo de experiências?
Por exemplo, podemos oferecer uma lista das 50 coisas que mais gostamos na pessoa que amamos, fazer um filme com as fotografias ou vídeos de momentos especiais que passámos juntos ou escrever a história do nosso relacionamento. Tudo isto é muito mais significativo e contribui mais para a nossa felicidade do que comprar um presente, jantar fora ou dormir num hotel especial. Neste dia tão explorado do ponto de vista comercial é importante recordarmos o que torna as datas especiais.
Há tendência para comprar inutilidades?
Vivemos numa sociedade de consumo, em que o marketing nos tenta convencer que precisamos de ter mais isto e mais aquilo, e nós crescemos a acreditar que, se tivermos mais, somos mais felizes. A psicologia positiva, uma área em que me especializei, diz-nos que a nossa satisfação com a vida não depende de termos mais, mas de partilharmos as boas experiências com as pessoas de quem gostamos.
Lançou um livro sobre a independência financeira para mulheres. Numa altura em que se fala tanto de igualdade, acha que faz sentido falar deste tema especificamente para as mulheres?
Acho que faz cada vez mais sentido, por muito paradoxal que pareça. O livro foi lançado há sete anos, e eu própria tive dúvidas em relação ao título porque achava que as mulheres já tinham ganho a sua emancipação, mas não é isso que acontece. Enquanto as mulheres tiverem uma discrepância de salário em relação aos homens, precisamos de falar deste tema. As questões da independência financeira estão muito ligadas aos mitos do dinheiro.
Que mitos são esses?
As mulheres ainda acreditam, por exemplo, que não são tão boas a Matemática nem tão competentes a gerir o dinheiro como os homens. Isto está muito enraizado. O papel do homem sempre foi o de provedor financeiro da família e as mulheres ficavam a cuidar da casa. E quando isto se altera, ainda permanece ao nível do inconsciente, de mentalidade.
Acha que ainda são os homens a gerir o orçamento familiar?
Enquanto coach, vejo que as mulheres entregam a gestão financeira aos parceiros, mesmo quando ganham mais do que eles. Em muitos casos, existe dificuldade em falar de dinheiro de forma natural, com medo de perder o amor. O dinheiro está associado ao poder e ao controlo emocional. Por exemplo, há muita gente que tem vergonha de dizer quanto é que ganha.
O dinheiro é um assunto-tabu?
É, porque acreditamos que o que ganhamos reflecte o nosso valor ou porque nos sentimos culpados por ganharmos mais. Um dos papéis da Educação Financeira é tornar possível falar de dinheiro de uma forma natural, consciente, objectiva e pacífica.
As crianças devem saber quanto é que os pais ganham?
Devem perceber qual é o nível de vida dos pais, com clareza e naturalidade, sem precisar de entrar em detalhes sobre valores de ordenados.
A partir de que idade é que lhes devemos falar de dinheiro?
Quando começam a pedir coisas, por volta dos 2 anos. Esse é o mo- mento para iniciar a Educação Financeira, sendo que ainda seja uma educação que não envolve dinheiro, mas que já é uma educação para a gestão dos recursos. Devemos explicar que não podemos ter tudo. Dizer não posso comprar agora, mas amanhã, fazê-los esperar para ter e não dar gratificações imediatas.
Quando se deve introduzir a semanada?
No início da escola primária, que é o segundo grande momento da Educação Financeira, aquele em que introduzimos o dinheiro físico. Mesmo que não gastem dinheiro na escola, podem comprar coisas ao fim-de-semana quando saem com os pais, que podem monitorizar as escolhas deles e incentivá-los a poupar de um modo divertido.
“Temos muitas vezes a ilusão de que se ganhamos bem, podemos gastar à vontade”
Q É uma espécie de treino?
Sim, porque gerir dinheiro é uma competência que se treina, poupar e gastar são outras competências que se treinam. Se lhes dermos três mealheiros transparentes, um para poupar, outro para gastar e outro para doar, estamos a ensinar as três coisas principais que podemos fazer com o dinheiro.
Qual é a altura ideal para terem um cartão de débito?
Muitos já o têm nas escolas, que carregam e usam como um cartão de débito. Se não tiverem, os pais vão saber o momento ideal de acordo com a maturidade emocional da criança, porque a maturidade financeira está directamente relacionada com a emocional. Eu diria que antes dos 10, 12 anos não se deve dar, mas cabe aos pais fazer essa avaliação.
É bom para os miúdos arranjarem um part-time nas férias?
Acho mesmo essencial, porque eu comecei a trabalhar aos 14 anos. Isso desenvolve outra competência do dinheiro, que é o empreendedorismo.
Há quem julgue que as pessoas que ganham mais são as que mais poupam. Concorda?
Não. Os dados que existem em Portugal dizem que quem ganha menos poupa mais. A minha experiência de aconselhamento financeiro a adultos mostrou-me que as pessoas com problemas de dinheiro eram as que ganhavam muito acima da média.
Como explica isso?
Porque quanto mais temos mais fácil é perder o controlo. Temos muitas vezes a ilusão de que se ganhamos 5 mil euros podemos gastar à vontade. Há uns anos, trabalhei com um grupo de adolescentes e perguntei-lhes: “O que é para vocês ser rico?” E todos me responderam: “É ganhar 5 mil euros por mês.” Aí coloquei a questão de outra forma: “E se ganharem 5 mil euros e gastarem 5 mil euros, são ricos?” E fez-se o clique.
Porque é que diz que a poupança é uma despesa positiva?
A poupança deve fazer parte da lista de despesas mensais, para garantirmos que vivemos abaixo dos rendimentos. Quando o salário entra na nossa conta, devemos ter uma ordem de transferência automática para outra conta poupança. O pior que pode acontecer é termos de gastar o dinheiro num imprevisto, mas vai-nos resolver um problema.
Qual é o maior problema da iliteracia financeira?
É a falta de autonomia financeira, que impede as melhores decisões para a gestão do nosso dinheiro e isso torna-nos vulneráveis perante a quantidade de oferta para consumir. A ideia é transformar vulnerabilidade em capacidade.
Quem a ensinou a lidar com o dinheiro?
Foram os meus pais, mais a minha mãe, que me deu a semanada aos 4 anos, que era de 2,50 escudos. Gastava uma parte e poupava outra. Lembro-me que com a primeira semanada comprei um chupachupa e do prazer que foi fazer aquela compra com o meu próprio dinheiro.
O que a levou a especializar-se em Educação Financeira?
Comecei a trabalhar com 17 anos e na altura passei de uma mesada de 10 euros (2 mil escudos, à época) para um salário de 1.000 euros. Gastei tudo e ao fim de um mês tinha o banco a ligar-me a dizer que tinha passado dois cheques sem provisão. Perdi o controlo. Passei pela experiência de ter a ilusão de que o dinheiro não tem limites e gastei sem gestão. Isso fez-me pensar nas questões comportamentais do dinheiro.
Pode dar algum exemplo de uma situação de descontrolo financeiro que a tenha impressionado?
Nas minhas sessões de aconselhamento nunca encontrei ninguém que intencionalmente gastasse para se arruinar, às vezes o que acontece é que as pessoas não conseguem dizer não aos filhos e ultrapassam os limites financeiros, outras vezes há separações ou situações de desemprego e os encargos duplicam.
Acha que o dinheiro traz felicidade ou pelo menos a falta dele não traz angústias?
Traz-nos felicidade até um determinado ponto. Um estudo feito em vários países revela que nos Estados Unidos, por exemplo, as pessoas que atingem rendimentos de 50 mil dólares por ano já não aumentam a sua curva de felicidade, pois ela mantém-se estável ou pode mesmo diminuir. Até ao nível de conforto das necessidades básicas, o dinheiro contribui para a nossa felicidade, mas a partir daí ter mais dinheiro não nos faz mais felizes. Vivemos com a crença de que ter mais é melhor, mas não é. W