Gulbenkian
O custo financeiro de ficar com o negócio da energia não compensava o risco para a Gulbenkian. A venda hoje é “uma oportunidade única” de sair ainda em alta.
Porque vão abandonar a exploração do petróleo
Qnova uando, há 80 anos, concentrou todos os seus interesses petrolíferos na Participations and Explorations Corporation – ou Partex, como ficou conhecida até hoje a empresa – Calouste Gulbenkian era dono de uma das mais antigas fortunas mundiais ligadas ao petróleo. A Partex valeria quase dois terços do património legado à nova fundação criada pelo testamento assinado por Gulbenkian em 1953, sendo instrumental para o seu financiamento ao longo das décadas seguintes. É essa empresa, com activos de cerca de 500 milhões de euros e operações em sete países, que a administração da Gulbenkian se prepara agora para vender, num corte com a sua história que deixará a fundação com uma fonte de geração de rendimentos: a capacidade de gestão da sua vasta carteira de investimentos financeiros. As negociações para a venda da Partex, confirmadas oficialmente na semana passada, são o resultado de um debate na administração da Fundação Gulbenkian que começou em 2014, ano em que se esgotou uma concessão petrolífera de 75 anos no emirado de Abu Dhabi. A renegociação de mais concessões no Médio Oriente – em Omã em 2024 e em Abu Dhabi em 2028 – acabou por ser determinante para se avançar com a venda, uma decisão tomada por unanimidade (o que inclui o bisneto de Gulbenkian, Martin Essayan). As concessões de petróleo e de gás
SAIR DO PETRÓLEO AJUDA, TAMBÉM, A PREVENIR UM PROBLEMA FUTURO DE IMAGEM
oferecem dividendos – desde 1998 que a Partex distribui metade para a fundação e retém a outra metade para investimento – mas são projectos industriais que exigem investimentos avultados e por períodos tipicamente muito longos. Para a fundação Gulbenkian, manter as concessões que estavam para renegociação significaria investir centenas de milhões de euros e um compromisso por mais 40 anos, mais do que duplicando a exposição ao sector. Na perspectiva da administração, liderada desde 2017 por Isabel Mota, este esforço seria feito numa zona com risco geopolítico alto e, por outro lado, num sector em transformação, a caminho de fontes mais limpas de energia. No passado dia 6 de Fevereiro, o presidente-executivo da petrolífera francesa Total – a antiga Compagnie française des Pétroles, que entrou no petróleo do Médio Oriente nos anos 20 em parte pela mão de Calouste Gulbenkian – admitiu ao Le
Monde que “em 2040 o consumo de petróleo será inferior ao de 2018”. Quem ficar, e quiser sobreviver, terá de investir fortemente em gás e em energias renováveis.
Neste contexto de risco e transformação, a proposta do conglomerado chinês CEFC China Energy – cujo braço financeiro comprou uma posição maioritária no negócio de seguros da Associação Mutualista Montepio – é vista pela administração da Gulbenkian como uma “oportunidade dificilmente repetível”, adiantou à
SÁBADO fonte próxima do processo. Os chineses servem um mercado gigantesco de consumo de combustíveis fósseis, valorizam os activos da empresa e a equipa da Partex liderada por António Costa e Silva, aponta a mesma fonte. A Fundação Gulbenkian indica à SÁBADO que “as negociações estão em curso não havendo, neste momento, data prevista ou garantia absoluta de finalização da transacção”.
Seja qual for a conclusão, o sinal está dado: o negócio do petróleo e o gás – que em 2016 representavam já apenas 18% dos activos da fundação e que segundo fonte oficial da Gulbenkian ofereceram na última década uma rentabilidade em linha ou inferior à da carteira de investimentos financeiros – é para abandonar.
Dos Rockefeller a Bill Gates
Dois anos antes da decisão confirmada agora pela Fundação Gulbenkian, outra grande e ainda mais antiga fortuna ligada historicamente ao petróleo, a da família norte-americana Rockefeller, terminou a ligação de 146 anos ao sector. O fundo familiar desfez-se de todos os investimentos na área, incluindo no gigante Exxon, originário da Standard Oil, a fonte original da fortuna dos Rockefeller – a decisão era esperada dada a guerra movida pelo próprio clã contra a gestão da Exxon, que acusou de manipular estudos científicos contra o aquecimento global. Também em 2016, depois da pressão criada por notícias que revelaram os investimentos na petrolífera BP, a fundação Bill and Melinda Gates desinvestiu do sector.
Para a Gulbenkian, vender o negócio do petróleo maximiza o encaixe hoje e reduz o risco financeiro, aspectos cruciais para uma fundação que tem a perpetuidade como objectivo. Mas, de caminho, a venda previne um problema de coerência na sua imagem – o de uma instituição que tem a sustentabilidade como um dos eixos da sua actividade e que, ao mesmo tempo, é financiada por combustíveis fósseis. “Em Portugal fala-se pouco disto, mas a pressão pública sobre a ligação entre este tipo de instituições e a indústria do petróleo é um tema muito presente”, afirma uma fonte da fundação. O passo marca uma ruptura com um passado em que Calouste Gulbenkian, arménio de uma família abastada de comerciantes, foi