ARTES PLÁSTICAS
No Tempo Todo reúne quase 300 obras de um dos artistas mais enigmáticos e complexos da arte contemporânea portuguesa. A exposição que é inaugurada esta quinta-feira, 8, é a primeira retrospectiva a ser montada após a morte do “pintor das palavras”.
O artista português Álvaro Lapa está em destaque na Fundação de Serralves, que lhe dedica uma retrospectiva. O GPS falou com o curador
Odesafio da curadoria foi entregue a Miguel von Hafe Pérez que, após longos meses de preparação e de levantamento “do maior número de peças possível”, nos guia pela vida de um homem cujo único lamento foi “não ter sido reconhecido como escritor”. Há dias, aquando da apresentação da programação anual de Serralves, João Ribas – o recém-anunciado director do Museu – interpretava esta retrospectiva maior da obra de Álvaro Lapa como uma “escrita de pintor ou pintura de escritor”.
Não há como dissociar nas obras de Lapa a intrínseca relação do pictórico com a palavra, ele que abertamente se inspirou em Robert Motherwell (1915-1991), um dos primeiros talentos da Escola de Nova Iorque para quem a pintura podia ser também poesia. No Tempo Todo é o título
NA EXPOSIÇÃO ESTARÃO ALGUNS INÉDITOS, ADQUIRIDOS PELA GULBENKIAN E AGORA CEDIDOS PARA A MOSTRA
da exposição que é inaugurada a 8 de Fevereiro no Museu de Serralves e é um permanente murmúrio introspectivo, cheio de referências mitológicas (como na série de 1968, Milarepa), de idealizações utópicas profetizadas por alter egos (como nas obras assinadas pela personagem Abdul Varetti em 1972), de “relações mitificadas” expressas na série Cadernos, onde Lapa projecta 19 das suas influências literárias – entre as quais estão Rimbaud, Kafka, Henry Miller, Homero, James Joyce, William Burroughs, Sade e Michaux –, e de amores profanos pela terra-mãe, bem patente na série
Campésticos (1983), na qual a natureza invade o espaço doméstico.
Neste modo isolado de criar e de pensar a arte, caracterizado por uma constante recontextualização de elementos, Álvaro Lapa expande esta elipse centrada em si mesmo a ponto de a obra ganhar contornos universais e humanísticos. Por isso mesmo, quando Miguel von Hafe Pérez começou a idealizar esta exposição, concluiu que “não fazia sentido ter uma visão demasiado diacrónica e cronológica das obras”, mas, ao invés, optou por uma articulação focada em aproximações temáticas. Até porque, acrescenta o curador, Álvaro Lapa era um artista que trabalhava muito com séries e normalmente começava as suas exposições com obras feitas depois de 1968, deixando de fora todo o período anterior. “Nesta reavaliação histórica interessou-me mostrar essa parte, onde alguns temas como o da mesa – que vai ser um objecto central da exposição – acabam por estar patentes.”
O “risco curatorial” envolvido nesta escolha é assumido abertamente, a ponto de quase 90% do espólio de desenho estar exposto na horizontal. Aqui encontramos alguns inéditos, fruto da “feliz coincidência” de a Gulbenkian ter adquirido um núcleo muito importante de 300 desenhos que Lapa tinha guardado em pastas e que eram propriedade da família. Cerca de 40 vão estar expostos nesta mostra de Serralves: “São uma espécie de índice geral de muitos dos temas que aparecem nos seus trabalhos.”
A par da exposição No Tempo Todo – e ao longo da mesma – serão também apresentados ciclos de artes performativas que visam ilustrar a contínua influência de Álvaro Lapa, “de um ponto de vista estético e conceptual”, junto de pensadores, investigadores e artistas no activo.