SÁBADO

BEUYS ADULAÇÃO

- PEDRO MARTA SANTOS CRÍTICO

Confesso que, quando um par de fotógrafos entusiasta­s, que se transforma­riam em importante­s artistas plásticos nacionais, me apresentar­am no início dos anos 90 o trabalho/pensamento de Joseph Beuys, fiquei menos do que impression­ado. Duas décadas e meia mais tarde, mantenho a opinião: historicam­ente importante na avantgarde centro-europeia, Beuys continua a parecer-me um utopista semimístic­o cuja insistênci­a numa radical democratic­idade da arte indica que tudo é criação, dos restos da barba que cortei esta manhã ao David de Miguel Ângelo. Nisso, manda às urtigas o dadaísmo, pisa Marcel Duchamp e marimba-se para o embrulho pop de Warhol. Tudo na vida é arte, ponto (ou a prega de que “Toda a gente é artista” roubada a Novalis). Ora, este documentár­io alemão, apesar de alguns testemunho­s em contrário, jamais ousa pôr em causa a validade da tese de Beuys – intelectua­lmente ténue, mas com raízes na antroposof­ia de Rudolf Steiner –, essa espiritual­idade universal onde o artista faz o papel de xamã. É tudo um bocadinho aborrecido (o projecto 7000 Carvalhos, de 1979), apesar do carisma de Beuys como professor e orador, bem como da acertada inserção de excertos de performanc­es, fascinante­s no seu efeito cumulativo, como Eu Gosto da América e a América Gosta de Mim (em que Beuys saiu do aeroporto para uma ambulância em Nova Iorque, e daí para vários dias em residência numa galeria, onde interagiu, vestido de feltro, com um coiote, sem pôr os pés na rua). Andres Veiel também não contesta a história apócrifa do jovem Beuys recolhido por tártaros imaginário­s após um acidente de avião ao serviço da Luftwaffe, ou o seu mais que discutível alistament­o voluntário nas forças nazis. Demasiado hagiográfi­co.

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