BEUYS ADULAÇÃO
Confesso que, quando um par de fotógrafos entusiastas, que se transformariam em importantes artistas plásticos nacionais, me apresentaram no início dos anos 90 o trabalho/pensamento de Joseph Beuys, fiquei menos do que impressionado. Duas décadas e meia mais tarde, mantenho a opinião: historicamente importante na avantgarde centro-europeia, Beuys continua a parecer-me um utopista semimístico cuja insistência numa radical democraticidade da arte indica que tudo é criação, dos restos da barba que cortei esta manhã ao David de Miguel Ângelo. Nisso, manda às urtigas o dadaísmo, pisa Marcel Duchamp e marimba-se para o embrulho pop de Warhol. Tudo na vida é arte, ponto (ou a prega de que “Toda a gente é artista” roubada a Novalis). Ora, este documentário alemão, apesar de alguns testemunhos em contrário, jamais ousa pôr em causa a validade da tese de Beuys – intelectualmente ténue, mas com raízes na antroposofia de Rudolf Steiner –, essa espiritualidade universal onde o artista faz o papel de xamã. É tudo um bocadinho aborrecido (o projecto 7000 Carvalhos, de 1979), apesar do carisma de Beuys como professor e orador, bem como da acertada inserção de excertos de performances, fascinantes no seu efeito cumulativo, como Eu Gosto da América e a América Gosta de Mim (em que Beuys saiu do aeroporto para uma ambulância em Nova Iorque, e daí para vários dias em residência numa galeria, onde interagiu, vestido de feltro, com um coiote, sem pôr os pés na rua). Andres Veiel também não contesta a história apócrifa do jovem Beuys recolhido por tártaros imaginários após um acidente de avião ao serviço da Luftwaffe, ou o seu mais que discutível alistamento voluntário nas forças nazis. Demasiado hagiográfico.