Bruno Faria Lopes
Perder 43% da população em idade activa seria um choque económico difícil de acomodar, isto sem falar nas implicações sociais e políticas de ter 317 idosos por cada 100 jovens. Na política, contudo, a demografia desapareceu completamente da agenda. Surpresa? Nem por isso Sem ajudar mais os pais não há filhos
IMAGINAR O PAÍS EM 2080 exige um esforço pouco convidativo. Sabemos que daqui até lá muito vai mudar, dinamitando de caminho os números bonitos com que adornamos as nossas previsões. Mas para falar de algumas coisas importantes que são medidas em gerações, como o impacto da demografia, é útil olhar lá para a frente. É o que faz o INE. O resultado assusta. No cenário central, Portugal chega a 2080 com menos 2,8 milhões de pessoas. Isto é sendo optimista sobre o efeito das migrações, tema socialmente quente. Sem essa ajuda, uma hipótese extrema, a perda de habitantes prevista ascenderá a 4 milhões de pessoas. É menos 40% da população. Se 2080 parece demasiado distante é bom lembrar que este impacto vai acontecendo aos poucos e que não falta assim tanto para começar a ser evidente. (A título indicativo: o INE estimava em 2014 que em 2045 o País já teria perdido perto de um milhão de pessoas.)
A transformação drástica que estes números sugerem não é uma novidade. Há quem a relativize. Lembra-se a pegada ecológica da população mundial, sugere-se que os ganhos de produtividade e a automação podem compensar a perda de população em idade activa e que o impacto no Esta- do Social pode ser acautelado com reformas graduais. Mas a queda da natalidade só é uma boa notícia nos países mais pobres onde era excessivamente alta. No caso dos países ocidentais está amplamente documentado um efeito negativo na economia de uma travagem tão a fundo na população (há dimensões tão importantes como esta, como a social e cultural, mas vou cingir-me à económica). Para uma pequena economia como a nossa é difícil vislumbrar como se pode compensar na procura interna (que vale dois terços do PIB) uma perda de 43% na população em idade activa. Estes receios não são novos, mas o abandono do tema pela política é. A retórica farta e a acção curta do Governo de Passos Coelho (numa conjuntura muito limitadora, é certo) foi substituída por nada. Há uma certa polarização ideológica neste assunto – quando há duas semanas escrevi sobre o tema no Jornal de Negócios foram sobretudo os meus amigos católicos que saíram em elogios – mas não é só isso. PS, PCP e Bloco também têm propostas, simplesmente deixaram cair o assunto, de resto tal como a oposição à direita.
Nesse artigo propunha um eixo de acção para o debate público: o Estado deve tornar o mais neutra possível, do ponto de vista financeiro, a decisão de se ter mais do que um filho. E dava dois exemplos, pouco originais: a criação de uma rede gratuita no pré-escolar com horários flexíveis (como fez França) e um desagravamento brutal dos impostos e/ou contribuições sociais.
Numa resposta ao meu texto, o dirigente do CDS Francisco Mendes da Silva defendeu alguma prudência. Argumentou que, sendo a economia apenas uma dimensão do problema que é estrutural nas sociedades ocidentais, há que estudar até que ponto se deve gastar dinheiro público em resultados incertos. E notou que, para ser duradoura, uma política de natalidade que não seja feita só de medidinhas inócuas precisa da famosa “base ampla de apoio partidário”. Concordo com estas duas premissas.
Onde sou mais pessimista do que o Francisco é na capacidade da política para gerar respostas. Mesmo que as regras europeias permitissem flexibilidade orçamental para uma reforma vista como estrutural – alguém já explorou essa avenida? –, políticas ambiciosas de natalidade significam tirar dinheiro de algum lado (comprando inimigos) para só ter frutos lá longe. É a antítese da política nos dias que correm. Creio que nem a enorme influência do Presidente da República, se Marcelo se interessasse pelo tema, seria suficiente para pôr a política a mexer-se nesta frente. Seja 2080 ou 2045, ainda há tempo para limitar o impacto do inexorável Inverno demográfico. Não há é vontade.
Jornalista Bruno Faria Lopes