SÁBADO

J. Pedro George

Romances portuguese­s: mamas e outros estereótip­os

- Por MarcoAlves

Voz destemida e quase isolada do panorama literário português, João Pedro George continua a colocar o dedo na ferida. Depois de Não É Fácil Dizer Bem ede Couves e Alforrecas (ambos de 2006), e de inúmeros outros artigos na imprensa, João Pedro George regressa à literatura portuguesa – aos seus tiques e vícios de linguagem, mas também à crítica.

Mamas e Badanas são duas palavras para duas partes do livro. Mamas é referente à forma como os escritores objectific­am o corpo das personagen­s mulheres (com especial enfoque nas mamas – João Pedro George recolheu dezenas e dezenas de descrições das mesmas em dezenas de livros) e o que está por trás desse padrão. Nem a SÁBADO escapou à sua tese, como adiante se verá.

Badanas resulta de outra colectânea de exemplos de tiques de linguagem que as editoras usam para descrever e promover os livros, desde a pequena biografia dos autores a expressões como “romance de cortar a respiração”.

Diz que há uma obsessão com as mamas na literatura portuguesa.

Há uma parte que é exagero.

E demagogia.

Em que sentido?

Por exemplo, quando diz que nos livros de Miguel Sousa Tavares a descrição de mamas é o único terreno no qual as ideias se conseguem mover com à-vontade.

O que se trata é que neste caldo de escritores com que brinco, por alguns tenho respeito intelectua­l. Não é o facto de fazerem algumas descrições ridículas que deixo de ter consideraç­ão intelectua­l. Há outros que de facto não tenho nenhum respeito intelectua­l, sinto que não tenho nada a aprender com eles.

E diz também que José Rodrigues dos Santos é corajoso porque se aventura numa língua, o português, que não domina.

Isso é um exagero, um efeito humorístic­o. Isto é um livro irónico do princípio ao fim. Uma parte do gozo é chatear algumas vaidades de alguns escritores que se colocam numa posição acima dos mortais, como se fossem uma espécie de eleitos. São elitistas, acham que o seu trabalho é mais importante do que o dos outros. Não acho que escrever livros seja mais importante do que as pessoas que varrem as ruas.

Quanto às mamas, há então uma obsessão ou não?

A obsessão é uma forma de chamar a atenção para a reprodução, de geração em geração, de determinad­as convenções. A literatura, como as artes em geral, tem uma retórica que é “a nossa função social é criticar as convenções, pôr em causa os lugares-comuns”, mas o que vemos é que é responsáve­l, em grande medida, por reproduzir e manter estereótip­os. Nomeadamen­te no que diz respeito à representa­ção, quase sempre erotizada, do corpo da mulher. Não vejo nenhum escritor – não en-

 ??  ?? João Pedro George, 46 anos, fotografad­o em Lisboa. Investigad­or na Biblioteca Nacional, é ainda autor de várias biografias
João Pedro George, 46 anos, fotografad­o em Lisboa. Investigad­or na Biblioteca Nacional, é ainda autor de várias biografias

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