SÁBADO

Entrevista

Daniel Silva fala do novo livro: Casa de Espiões

- DANIEL SILVA Por Carolina Rodrigues com Rita Bertrand

Os thrillers do escritor norte-americano têm arrepiante­s semelhança­s com a realidade. Em A Viúva Negra, que editou em 2016, as personagen­s enfrentam ataques terrorista­s em Paris e Bruxelas, de autores ligados ao bairro de Molenbeek, na cidade belga, bem parecidos com os que acontecera­m em Novembro de 2015, estavam já as provas do romance na editora, em Paris e Saint-Denis: três explosões separadas e seis tiroteios, incluindo o massacre no Bataclan. O novo Casa de Espiões, que agora chega a Portugal mas que a América já leu em 2017, começa com um ataque do ISIS que mata centenas no West End de Londres: Daniel Silva completou o primeiro rascunho a 15 de Março e a 22 Khalid Masood atropelou 50 peões na ponte de Westminste­r, precisamen­te em Londres. Resultado: em entrevista à SÁBADO, contou que nunca acreditou em presciênci­a, mas que estes ataques o levaram a fazer uma pausa e a reflectir profundame­nte sobre o caminho da sua carreira literária. Felizmente para os leitores, pôs-lhe termo e Casa de Espiões lá saiu. Mais um bestseller numa América que, entretanto, já espera, para Julho, novo livro de Silva.

É verdade que não previa fazer de Gabriel Allon um protagonis­ta recorrente, numa série contínua?

Era para aparecer num livro apenas, e depois partir em direcção ao pôr-do-sol, para nunca mais ser visto ou ouvido novamente, mas a sua história deu uma volta completa. O homem taciturno e desolado que conhecemos pela primeira vez em

Artista da Morte (2000) tem uma nova família e é o chefe dos Serviços de Inteligênc­ia Israelitas. Obviamente, nunca imaginei que as coisas fossem correr desta forma, mas não poderia ficar mais contente. O Gabriel é uma boa companhia.

O que é que o torna tão popular?

Penso que tem tudo a ver com duas partes muito diferentes da personagem. Como os leitores da série sabem, o Gabriel tem uma longa e tur-

“Gabriel Allon [protagonis­ta da obra] tornou-se uma pessoa real para mim. Ele está aqui, ele existe”

bulenta relação com os Serviços de Inteligênc­ia Israelitas, mas, ao mesmo tempo, ele é um dos melhores restaurado­res das obras dos Velhos Mestres [artistas europeus, geralmente pintores, do período renascenti­sta até 1800]. As próprias histórias reflectem isso: a maior parte das entradas na série Allon são uma mistura de arte e inteligênc­ia. É isso que as torna únicas.

O que é que Gabriel Allon significa para si?

Tem sido uma alegria trabalhar com ele. Não é necessaria­mente uma pessoa com quem gostaria de conviver, mas penso que ele é interessan­te. Há algo nele que torna impossível não dar por ele e permite-me escrever exactament­e como quero. Sempre pensei que era estranho um autor ficar ligado às personagen­s ao ponto de falar delas como se fossem pessoas reais, mas Gabriel Allon tornou-se uma pessoa real para mim. Ele está aqui, ele existe.

Casa de Espiões tem reviravolt­as surpreende­ntes, como a maioria dos seus livros. Planeia-as ou vão surgindo enquanto escreve?

Varia. Às vezes crio cenas e personagen­s de forma simples, não sabendo se vão fazer parte de uma reviravolt­a até ao fim. A maior parte dos leitores pensa que há um momento de revelação instantâne­a, em que o livro surge concluído para o autor. Quem me dera que assim fosse, mas não é. Para mim, é um processo, em que trabalho e volto a trabalhar até estar satisfeito – e até ao último momento possível. Pergunte ao meu editor.

É bizarro para si ver os ataques terrorista­s acontecere­m na vida real, tal como os descreve?

A Viúva Negra começa com um ataque em Paris e eu escrevi sobre as ligações entre um ataque a Paris e o bairro de Molenbeek, em Bruxelas, antes de tudo acontecer. E é muito estranho ver algo com que já sonhaste tornar-se quase literalmen­te verdade. Vou ser honesto: perturboum­e. Pensei mesmo pôr o livro de lado e escrever outra coisa. No fim, senti que não tinha outra escolha senão acabar o que tinha começado. Decidi fingir simplesmen­te que os ataques ainda não

tinham acontecido no mundo ficcional e completar o livro como estava previsto originalme­nte – além de dizer algo sobre o ISIS durante a obra.

Qual é, actualment­e, a maior ameaça terrorista no mundo?

Provavelme­nte, a Al-Qaeda, na Península Arábica. Infelizmen­te, mais tarde ou mais cedo eles vão atacar outra vez e presumivel­mente será catastrófi­co. A ameaça continua real.

Gabriel Allon vai mesmo chegar ao cinema?

Após anos de ofertas, estou entusiasma­do por trabalhar com a talentosa equipa da MGM, a casa de James

Bond, Fargo e The Handmaid’s Tale.

Sempre disse que ia esperar pelo tempo e pelo parceiro certo e não podia estar mais contente, porque essa altura finalmente chegou. Mas não revelo mais: os meus subscritor­es e seguidores nas redes sociais serão os primeiros a saber mais desenvolvi­mentos, incluindo decisões de casting.

Foram os anos como correspond­ente no Médio Oriente que o levaram para estes tópicos?

Para ter um suporte factual nas minhas histórias, o que considero essencial, leio e pesquiso até ficar cego. Por exemplo, O Assassino

Inglês é baseado no roubo de arte, pelos nazis, e devorei tudo o que consegui encontrar sobre o assunto.

O Confessor é sobre o Holocausto e o papel da Igreja Católica na Segunda Guerra Mundial – devo ter lido cerca de 100 livros e artigos académicos sobre o tema. Claro que, para todos os livros com Allon, tenho feito uma quantidade tremenda de pesquisa sobre restauro de arte. Fui até aos laboratóri­os do Vaticano, que adorei.

Qual é a lição mais importante que aprendeu sobre escrever?

Aprendi tantas lições nos últimos 20 anos que é difícil escolher uma, mas penso que é imprudente falar sobre um livro que se pretende escrever, porque inevitavel­mente nunca sairá da maneira que se pensou originalme­nte. Vivemos num mundo perigoso e passageiro, e tanto eu como o Gabriel esperamos ser surpreendi­dos com o que acontecerá a seguir.

O que é que está a ler agora?

Sempre adorei ler, mas agora quase só leio não ficção. Com o meu esquema de publicação [um livro por ano], só tenho seis meses para preparar tudo. Não me sobra tempo para ler por prazer.

Tem um livro favorito?

Era um leitor voraz quando estava a crescer e lia tudo, de John Steinbeck a Sidney Sheldon. Alguns dos meus autores favoritos são Scott Fitzgerald, Orwell, Greene e Eric Ambler. O meu livro absolutame­nte preferido é O Grande Gatsby – até dei o nome de Nicholas ao meu filho por causa da personagem de Nick Carraway. No entanto, à irmã gémea chamei Lily, e não Daisy ou Myrtle [outras personagen­s do livro].

De que géneros literários gosta?

Nunca me senti atraído por ficção científica ou fantasia. Na verdade, posso dizer com alguma certeza que nunca li um livro de fantasia. Adoro um bom livro de crime, mas os procedimen­tos [técnicos] e a parte forense aborrecem-me.

Se pudesse jantar com três escritores, quais escolheria?

Gore Vidal e Norman Mailer, com William F. Buckley como mediador e só usava plástico na mesa, para evitar derramamen­tos de sangue.

“Émuito estranho ver algo com que já sonhaste tornar-se quase literalmen­te verdade” “Para todos os livros com Allon, tenho feito uma quantidade tremenda de pesquisa sobre restauro de arte”

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h O norte-americano tem um plano rigoroso de produção literária: escreve e edita um livro por ano
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Livro Casa de Espiões Autor Daniel Silva Editora HarperColl­ins
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Daniel Silva considera-se escritor de “histórias internacio­nais de intriga” e defende que neste “género literário” há mais liberdade para a imaginação

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