SÁBADO

CRÍTICA TUDO É POSSÍVEL O REGRESSO DA PIOLHOSA

- EDUARDO PITTA CRÍTICO

Existe um punhado de autores que, por uma ou outra razão, são arredios à edição portuguesa. A norte-americana Elizabeth Strout (n. 1956) faz parte do grupo, e não devia. O romance mais recente, Tudo É Possível, laureado com o Story Prize de 2018, acaba de ser traduzido. A autora tem sido aclamada pela crítica mais exigente, indiferent­e ao facto de vários dos seus livros serem bestseller­s, e, entre outros prémios, recebeu o Pulitzer de Ficção em 2008. Quem tenha lido O Meu Nome é Lucy Barton (2016) identifica a personagem central de Tudo É Possível. O romance pode ser lido como uma sequência de contos unidos pelo mesmo fio condutor. Denominado­r comum: o sexo. O plot gira em torno do regresso de Lucy Barton à vila do Illinois que a vira partir, adolescent­e “excluída”, para Nova Iorque. Regressa como escritora, e esse regresso, a pretexto do lançamento do seu livro de memórias, vai iluminar os recessos mais negros do passado dos habitantes de Amgash. Embora as situações sejam diferentes, como não pensar em Dürrenmatt e A Visita da Velha Senhora? Na terra todos conhecem as histórias de todos. Algumas são terríveis, como a infância devastador­a de Sebastian, repetidame­nte estuprado pelo pai. Outras fúteis, como a mexeriquic­e acerca da frigidez de Patty, mulher de Sebastian e filha da mulher que protagoniz­ou um adultério gravado nos anais Amgash. Chegados à velhice ou à meia-idade, o rancor deixara de pedir licença. O regresso de Lucy potencia várias formas

de atrabílis. No capítulo Irmã, ela própria tem o seu momento de catarse. Em conversa com os irmãos, sofre um ataque de pânico e vê-se obrigada a partir. Elizabeth Strout compõe as personagen­s com precisão não isenta de subtileza. Por exemplo, Charlie, o homem “da dor indizível”, antigo combatente no Vietname, sofre de

stress pós-traumático. Linda vive longe, num meio glittering em tudo oposto ao da irmã (Patty) e dos outros.

Crime, travestism­o, compaixão, voyeurismo, luta de classes, homossexua­lidade, tudo perpassa nesta constelaçã­o de vidas interligad­as. Toda a vulnerabil­idade será castigada?

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Outra obra de Strout, Olive Kitteridge, inspirou a série homónima, multipremi­ada, com Frances McDormand
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ELIZABETH STROUT Alfaguara • 238 págs. €16,90
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