João Pereira Coutinho
JOÃOBOTELHO
tinha um sonho: pegar nos clássicos da literatura portuguesa e transformá-los num Plano Poupança Reforma. A coisa cheira a “prestígio” para os membros dos júris e, como bónus, as escolas podem ensinar Eça, Pessoa e até Agustina sem obrigar professores e alunos a lerem o Livro do Desassossego, OsMaiasou ACortedoNorte. Infelizmente, a inveja lusitana não perdoa semelhantes temeridades. E uma campanha difamatória acusa agora Botelho de ter plagiado o argumento do seu último filme, Peregrinação.
Nas palavras do realizador, dos críticos, dos jornalistas, da Academia Portuguesa de Cinema e até da Direcção-Geral da Educação, a longa-metragem adapta a obra singular de Fernão Mendes Pinto. Mas uma escritora – Deana Barroqueiro – afirma que Botelho pescou impunemente no seu livro, O Corsário dos Sete Mares, roubando cenas que só existem ali e não em Fernão Mendes Pinto.
Pergunto: quem é que esta senhora se julga para pôr em causa o nome do realizador, dos críticos, dos jornalistas, da Academia Portuguesa de Cinema e da Direcção-Geral da Educação? Provavelmente, alguém que, ao contrário dos anteriores, leu a obra de Fernão Mendes Pinto. Mas isso não desculpa tudo. Seja como for, João Botelho respondeu à acusação e disse-nos duas coisas. Primeiro, confirmou que se “inspirou” no livro da sra. Barroqueiro, embora sem dar contas ao vigário nos créditos respectivos. Segundo, informou que tentou contactá-la por telefone, sem sucesso, preferindo não deixar mensagem.
Isto, que para alguns filistinos é intolerável, talvez revele o génio incompreendido de João Botelho. E eu pergunto, honestamente, se o problema não terá sido outro: uma tentativa inconsciente do realizador em aplicar o espírito dos piratas quinhentistas ao trabalho literário dos nossos contemporâneos. Em caso afirmativo, estamos na presença de um artista que não apenas cria uma obra como se transfigura no seu objecto. Fernão Mendes Pinto, c’estmoi.
Que a sra. Barroqueiro não veja isto, preferindo critérios estreitos de autoria, eis a medi dado nosso naufrágio cultural.
DE VEZ EM QUANDO,
uma empresa qualquer envia-me os parabéns pelo meu aniversário. Acontece umas 15 ou 20 vezes por ano, em dias distintos, e a minha primeira reacçãoéo pasmo. Quem é que andou a espalhar mentiras sobre a minha data de nascimento? Calma, povo. O mentiroso fui eu. É quase um hábito: quando as lojas reais ou virtuais me pedem informação pessoal, eu disparo ao lado. Faço anos em Janeiro – ou em Dezembro. Tenho 22 anos – ou 62. O meu nome é Júlio – ou Jacinto. Se o Natal é quando um homem quiser, o aniversário segue pela mesma cartilha.
Vejo agora que não sou caso único: informa o The Wal lStreetJ ournal que 41% de utilizadores de Internet, pelo menos nos Estados Unidos, em França, na Alemanha, em Itália e na Grã-Bretanha, mentem descaradamente na hora de fornecer dados online. Uma das falsá- rias é Chris Wellens, que chega ao ponto de inventar qualificações académicas e uma idade questionável (118 anos). Sobre as qualificações académicas inventadas, nada de novo: na política portuguesa, isso é conhecido como curriculum vitae. Sobre a idade, a sra. Wellens tinha esperanças que a partir dos 90 anos os publicitários perdessem interesse. Não perdem. Os anúncios que lhe assaltam o ecrã são o último grito em fraldas.
Nas palavras da própria, mentir é uma forma de protecção da privacidade, sobretudo à luz dos escândalos recentes do Facebook. E eu, que já aplico o método no mundo real, pergunto se não chegou a hora de aplicá-lo também ao virtual.
Claro: 118 anos é abusar da credulidade. Mas se eu dobrar a parada biográfica e disser 82, tenho a certeza que ninguém estranha. Muito menos os meus amigos, que pelos meus hábitos diários já acreditam sinceramente que eu cheguei aos 90.
Se os publicitários forem pelo mesmo caminho, melhor ainda: com uma criança pequena em casa, as fraldas serão sempre bem-vindas.
SERÁQUE OS “FINALISTAS”que
partem para os hotéis de Espanha estão alertados para os potenciais “excessos”? Claro que sim, respondeu seriamente um deles para as câmaras. Mas ninguém pode prever o dia de amanhã, acrescentou com um sorriso.
É um raciocínio infalível, que também serve para explicar as grandes invasões da história. Em teoria, era feio invadir e saquear Roma; na prática, Alarico não conseguiu prever o dia de amanhã.
João Botelho respondeuà acusação e disse-nos duas coisas. Primeiro, confirmou que se “inspirou” no livro da sra. Barroqueiro, embora sem dar contas ao vigário nos créditos respectivos. Segundo, informou que tentou contactá-la por telefone, sem sucesso, preferindo não deixar mensagem