SÁBADO

O mercúrio retrógado

- Ângela Marques Jornalista

A sala não estava cheia, aliás, estava tão vazia como os nossos estômagos.

Lá fora o mundo quase se acabava, auxiliado pelas mais conspirati­vas varetas de chapéus-de-chuva e pelo desfile de carros que sabem fazer de uma berma um canhão da Nazaré. Dentro, sentíamos que fugíamos a tudo. Puro engano: ninguém foge a tudo. Para começar, não íamos conseguir fugir de um dos mais musculados brunches da cidade: frios, quentes, vice-versa, gira o disco, saem uns ovos Benedict, “não saiam sem experiment­ar o borrego”. Disse borrego? Não, comi-o.

Por sentirmos a fartura – e uma culpa moderada –, pensámos fazer uma pausa técnica. “Amiga não julga”, disse uma delas, a deixar claro que ninguém decide por ninguém de quantas rondas se faz a felicidade de cada um à roda do buffet. A tentar não pensar em comida para conseguirm­os voltar a pensar em comida, mudámos de assunto. Susan Miller, astróloga preferida de Cameron Diaz e Jennifer Aniston (os homens desprezam a astrologia, dirá a Internet caso alguém pergunte), juntava-se a nós. Quem a podia condenar? A julgar pelas previsões que tinha para nós, estavam ali as vidas mais interessan­tes do planeta. Com o mercúrio retrógado a dificultar tudo, a criar equívocos e a prometer sarilhos, haveríamos, contudo, de sobreviver.

Para o resto do domingo, os astros reservavam-nos a compra de um sistema de som em promoção. Com borboletas na barriga (ou talvez só borbulhas de espumante), seguimos. Chegadas lá, encontrámo­s o sistema de som mas não vislumbrám­os a promoção. Enjoadas, virámos costas aos astros. Mentira: culpámos o mercúrio retrógado e fomos comer bolo de limão.

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