SÁBADO

O Damásio do futebol

- Pedro Marta Santos

Edgar Allan Poe escreveu que “tudo o que vemos ou não vimos não é mais do que

um sonho dentro de um sonho”. Se o autor oitocentis­ta de Boston tivesse crescido na Madeira, em Alvalade ou no Paseo de la Castellana, poderia estar a referir-se ao belíssimo golo de bicicleta de Ronaldo (os velocípede­s foram inventados em 1817 até Cristiano os reinventar 201 anos depois), mas também ao trabalho criativo de outro português: António Damásio. Nada é mais emocionant­e do que a excelência e, se Ronaldo joga há 15 anos nos melhores clubes mundiais, Damásio joga há 30 nas melhores universida­des. O sucesso de Cristiano é global, o de António também – centenas de milhares de livros vendidos em mais de 30 línguas e o nome no top 3 dos neurocient­istas cognitivos. O génio desportivo de Ronaldo passa na ZDF e na ESPN.

O génio científico de Damásio passa na Scientific American e na Los Angeles Review of Books, onde há dias se louvou o vanguardis­mo de A Estranha Ordem das Coisas, o seu mais recente livro. Damásio é o ponta de lança que instalou as ciências cognitivas na grande área da modernidad­e, colocando as emoções, os afectos e os sentimento­s no centro da consciênci­a humana. A ordem das coisas de Ronaldo e de Damásio incendeia a percepção de nós próprios e ilumina a mente como uma dança entre o cérebro, o restante sistema nervoso e outras funções físicas – como voar a 2,38 m de altura –, em pas de deux com a realidade subjectiva de cada um: o sonho dentro do sonho. Graças a António, percebemos melhor a origem da emoção que nos provoca Cristiano. Damásio não é o Ronaldo da ciência. Ronaldo é que é o Damásio do futebol.

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