SÁBADO

Harmonia de choque

- TEXTO ANDRÉ SANTOS

Ao terceiro álbum, a música de Joana Gama e Luís Fernandes brilha com as orquestraç­ões de José Alberto Gomes e o toque de Lawrence English. Falámos com eles sobre este At The Still Point OfThe Turning World, um vendaval no interior das emoções

Joana Gama (1983) e Luís Fernandes (1981) são de Braga mas conheceram-se em Lisboa no final de 2012, na celebração do centenário de John Cage no Teatro Maria Matos, e logo em 2013 começaram a trabalhar juntos: “Houve uma empatia imediata e vontade de nos encontrarm­os e tocarmos juntos. Correu tão bem que já vamos no terceiro álbum! Somos pessoas muito diferentes e vimos de contextos musicais distintos e acho que a harmonia que ex is teéoresult ado disso mesmo.” Falam em harmonia porque lhes é perguntado, a propósito de At The Still Point Of

The Turning World, álbum editado a 5 de abril, na Room40, editora do australian­o Lawrence English, como é que, em peças de permanente tensão e confronto, a conseguem encontrar.

É uma constante na música que fazem juntos. Aconteceu primeiro em Quest (Shhpuma, 2014) e depois em Harmonies (Shhpuma, 2016), com Ricardo Jacinto. No novo álbum, o piano de Joana Gama e a electrónic­a de Luís Fernandes discutem em harmonia, com a ajuda de um ensemble contemporâ­neo de 14 músicos da Orquestra de Guimarães. A música viaja num espaço amplo, percorrend­o rotas que entram em permanente choque. No choque percebe-se que não há conflito, mas uma explosão de sons que iluminam um espaço que começa escuro. At The Still Point Of The Turning World éum acontecime­nto raro em Portugal, um disco de música electrónic­a/contemporâ­nea tocado por uma brilhante pianista, por um dos mais multidisci­plinares arquitecto­s de electrónic­a portuguese­s, com o corpo de uma orquestra e misturado e produzido por Lawrence English, que tem a experiênci­a e o tacto para mexer neste género de música.

Tudo partiu de um desafio de Rui Torrinha, director artístico do Westway Lab Festival, em Guimarães: “A proposta foi criarmos um trabalho novo, em colaboraçã­o com outra estrutura da cidade – a Orquestra de Guimarães – e assim fazer a ponte entre a música clássica e a experiment­al. Agarrámos a oportunida­de pois queríamos testar a expansão da nossa música.” A partir daí procuraram editoras com o perfil certo para editar o trabalho: “Lawrence English gostou e demonstrou interesse. Mais ainda, acabou por se envolver bastante na mistura e na produção do disco, cujo resultado final foi, de certa forma, surpreende­nte. Termos recebido o apoio da Fundação GDA foi importante para conseguirm­os viabilizar a edição.”

Na música de Joana Gama e Luís Fernandes existe uma forte componente cinematogr­áfica. O teor dessa associação tem a ver com as emoções que a música acarreta, pela forma como preenche quem a ouve. A necessidad­e de criar imagens surge depois de se respirarem os ambientes da sua música. O que faz sentido, porque isso também reflecte a forma como vêem a sua música: “Não pensamos nisso no processo de criação, mas no resultado final conseguimo­s perceber essa ligação, pelo tipo de emoções e ambientes que exploramos, aos quais é quase imediata a necessidad­e de associar imagens.” Compuseram a banda sonora para a curta-metragem A Glória de Fazer Cinema em Portugal ,de Manuel Mozos, e nos seus vídeos é bem visível esse

“HOUVE UMA EMPATIA IMEDIATA E VONTADE DE TOCARMOS JUNTOS. CORREU TÃO BEM QUE JÁ VAMOS NO TERCEIRO ÁLBUM!”

trajecto que pede imagens para os seus sons: seja em Night Drive, realizado por Eduardo Brito, ou

Through the Vibrant Air, de Miguel C. Tavares. A orquestra em At The Still Point Of The Turning

World traz à memória as bandas sonoras de Mica Levi (Debaixo da Pele e Jackie), mas Joana Gama e Luís Fernandes são músicos do espaço e não do vazio: “Nós partimos sempre de improvisaç­ões livres que gravamos e que, posteriorm­ente, trabalhamo­s até se materializ­arem em temas. Durante esse processo de transforma­r pequenos excertos de improvisaç­ão em peças finais era claro que queríamos ter momentos em que a música transmitis­se a ideia de espaço amplo, mas também de tensão. Por exemplo, no caso de Lucid Stillness, numa improvisaç­ão em que o som do piano estava a ser processado, ficámos a ouvir a ressonânci­a até ao silêncio de cada acorde, pelo prazer de ouvir aqueles batimentos sui generis. Isso acabou por se tornar a primeira parte da música, mas esse momento aparenteme­nte imóvel é quebrado com a entrada abrupta e frenética da orquestra.” Joana e Luís deram ideias gerais a José Alberto Gomes sobre como fazer as orquestraç­ões, e ele interpreto­u-as para a sua linguagem: “As orquestraç­ões têm um forte cunho autoral dele, ele assumiu um papel importantí­ssimo no resultado final do projecto.” Os músicos querem, agora, que a música que gravaram para o seu novo álbum passe pelas mãos de diferentes músicos. E é isso que vai acontecer no Theatro Circo, em Braga, no próximo sábado, 14 de Abril, no concerto de apresentaç­ão de

At The Still Point Of The Turning World com um ensemble composto por alunos do Conservató­rio de Música Calouste Gulbenkian de Braga. v

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 ??  ?? Joana Gama, a exímia pianista que em Janeiro interpreto­u as 14 horas de Vexations, de Erik Satie, de seguida, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, volta a trabalhar com o mestre da electrónic­a Luís Fernandes. Desta vez, são acompanhad­os por um ensemble...
Joana Gama, a exímia pianista que em Janeiro interpreto­u as 14 horas de Vexations, de Erik Satie, de seguida, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, volta a trabalhar com o mestre da electrónic­a Luís Fernandes. Desta vez, são acompanhad­os por um ensemble...
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THEATRO-CIRCO Braga Sáb., 14/4, 21h30 €12 AT THE STILL POINT OF THE TURNING WORLD Electrónic­a/ Contemporâ­nea • Ed. Room40

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