SÁBADO

Os euros não nascem para todos

- Jornalista Bruno Faria Lopes

ÉFÁCILSENT­IRMOSQUEAC­RISE

da banca em Portugal está a acontecer em diferido. A crise de financiame­nto do Estado acabou há quase quatro anos, mas nos bancos as más notícias continuam a pingar. A garantia pública aos accionista­s do Novo Banco, o dinheiro que pusemos na Caixa e o aumento das comissões bancárias são lembretes caros de uma má memória que, em vão, queremos apagar. Mas nem tudo são espinhos. A política de crédito dos bancos virou em parte a página da austeridad­e, para citar o chavão propagandi­sta – escrevo “em parte” porque este é um sol que não está a nascer para todos.

Nos primeiros dois meses do ano os bancos emprestara­m cerca de 7 mil milhões de euros à economia privada em Portugal, o valor mais alto desde o arranque de 2014. Visto por este prisma as coisas nem estão mais austeras, mas convém notar que estes 7 mil milhões são um valor quase 20% inferior ao de qualquer ano da era da troika e são menos de metade daquilo que os bancos emprestava­m há 10 anos, na véspera da crise financeira. Os tempos mudaram.

Do total de crédito que os bancos concederam quase 40% foi para particular­es – é o maior peso em pelo menos 15 anos, data do início da série compilada pelo Banco de Portugal (BdP). Este dado reflecte duas tendências importante­s. Primeira: a recuperaçã­o do crédito está a acontecer nos empréstimo­s pessoais, seja crédito à habitação (que teve o melhor arranque anual desde 2010) seja do consumo (o mais alto desde 2004!). Segunda: a moderação está a ser feita à custa das empresas. Os novos créditos às empresas até aumentaram face aos primeiros dois meses do ano passado, mas estão 40% abaixo de 2014. Os bancos estão a avaliar de forma muito diferente os riscos dos particular­es e das empresas. A recuperaçã­o do emprego, a conjuntura mais favorável e a efervescên­cia do mercado da habitação explicam o aumento, algo preocupant­e, dos novos créditos pessoais. No início deste ano o BdP pediu aos bancos para serem mais exigentes na concessão deste tipo de crédito, mas os números agregados sugerem que a orientação terá caído em orelhas moucas. A conjuntura actual não vai durar para sempre. Uma subida só de 1% nas taxas de juro do mercado, agora em mínimos históricos, leva a perdas de rendimento entre 3% e 4,4% para as pessoas com rendimento­s mais baixos, estima o supervisor.

Nas empresas a história é outra. Há malparado ainda por limpar, um mar de pequenas e médias empresas com baixa autonomia financeira e os montantes das operações são maiores. Alguns dos maiores bancos, como a Caixa ou o Novo Banco, estão em restrutura­ção e têm muito pouco apetite por risco em empresas desta natureza. Isso em si não é mau para a economia no longo prazo, mas põe pressão sobre estes empregador­es hoje e no futuro – algo importante para ter em conta na hora de debater aumentos salariais, por exemplo.

Toda a gente se queixa das perdas dos bancos, mas toda a gente quer que estes emprestem sempre mais. É a vida. No caso dos novos créditos podemos estar perante um exemplo de como a impopular disciplina com as empresas pode gerar resultados bons se feita com prudência e critério – e como o maior relaxament­o com as famílias (que também é bom para a política) pode ser uma fonte de risco se seguida com imprudênci­a.

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