Estreia de Casimiro e Carolina, peça sobre as sequelas da crise, numa encenação de Tónan Quito no D. Maria II
As sequelas da crise de 1929 inspiraram a Ödön von Horváth o enredo de Casimiro e Carolina, que Tónan Quito, motivado pelo resgate da troika em Portugal, encena no D. Maria II. Estreia na quinta, 12
Casimiro, desempregado e desesperado, e Carolina, com fome de viver, são um casal em ruptura – e os protagonistas da peça (de 1932) do dramaturgo austro-húngaro Ödön von Horváth que esta quinta-feira, 12 de Abril, estreia no Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa. Estão longe de ser, no entanto, as únicas personagens deste espectáculo cuja acção se passa numa única noite, numa Festa da Cerveja onde todos querem esquecer a austeridade a que a crise financeira de 1929 obrigou. Com menos de duas horas, intercala diálogos curtos e rápidos com silêncios por vezes mais eloquentes que as próprias palavras. “Ninguém diz verdadeiramente o que pensa, a solidão e o desespero daquelas pessoas, a viver as consequências de uma crise enorme, dificultam a comunicação”, explica Tónan Quito, encenador de Casimiro e Carolina, sublinhando que “os silêncios também reflectem isso, por um lado uma inquietação, que está também nos momentos cómicos da bebedeira colectiva, por outro a clivagem entre o que é pensado e nunca dito, já que o dito, que é vertiginoso e precipitado, quase se resume a trocas de ofensas e humilhações”. É aí que reside a dificuldade da peça para os intérpretes, diz Tónan, que há cerca de um mês levou à cena, no CCB, a “gigante” Oresteia: “Claro que a quantidade de texto é muito menor, mas a velocidade complica tudo. É como um guião de cinema, com conversas quase sobrepostas e muitos enredos a desenrolar-se em pouco tempo.”
A atmosfera, essa, vai ficando mais densa e degradante, “coisa comum em grandes noites de bebedeira”, como realça o encenador, que se apaixonou em jovem, quando ainda estudava, por esta peça, um clássico com quase 100 anos, de um autor que repudiava os naturalis- mos dos grandes dramaturgos que o antecederam, de Ibsen a Tchékhov, preferindo distorcer a realidade numa espécie de carrossel de pulsões – e, no caso, a presença do álcool ajuda. Não admira, pois, que quando Tiago Rodrigues, director do Teatro D. Maria II, lhe propôs voltar à Sala Garrett, depois do grande êxito da sua encenação de Ricardo III, de Shakespeare, em 2015, tenha escolhido de imediato “este texto fantástico, sobre as sequelas, também emocionais, de uma grande crise financeira, antes que a gente se esqueça do monstro da troika”. Para o interpretar, o encenador junta-se a Diana Narciso, Joana Bárcia, Óscar Silva, Pedro Gil, Rita Delgado e Rita Rocha Silva, mas também – sem surpresa, uma vez que isso já se tornou hábito nos elencos de Tónan, que foi buscar Romeu Runa para Ricardo III e Vera Mantero e Francisco Camacho para Oresteia – dois artistas da área da dança, Elizabete Francisca e Miguel Moreira, “porque o movimento está lá, naquela feira, na montanha-russa, nas cenas curtas e densas”, a incluir desavenças amorosas, pancadaria, ataques de nervos e até uma detenção.