SÁBADO

Alicia Kopf, artista plástica, aventura-se na literatura com Irmão de Gelo, um diário de autodescob­erta

Confession­al como um diário, mas desafiando fronteiras entre géneros literários, Irmão de Gelo, o premiado romance de estreia da catalã Alicia Kopf, também artista plástica, já tem edição portuguesa

- TEXTO RITA BERTRAND

Parece um diário, inequivoca­mente autobiográ­fico – e em certa medida é-o, por ser uma narrativa escrita na primeira pessoa, de uma aspirante a artista plástica, tal como a autora –, mas Alicia Kopf (pseudónimo de Imma Ávalos Marquès, nascida em Girona, na Catalunha, em 1982) prefere chamar “autoficção”, porque inventou grande parte, a Irmão de Gelo, o seu romance de estreia, que entre 2015 e 2017 acumulou prémios de relevo (Documenta, Libreter, Ojo Crítico, Cálamo) e aplausos de críticos e leitores em Espanha e a Alfaguara acaba de editar em Portugal.

O projecto começou a germinar – ainda nem ela o sabia – em 2008, quando acabou os seus estudos em Belas-Artes e Literatura, no auge da crise imobiliári­a, e tentou arranjar um emprego decente e comprar um apartament­o. Não conseguiu nem um nem outro, mas o episódio deu-lhe matéria para um blogue sobre ouvir “não” sempre que pedia para entrar no mundo – do trabalho, do imobiliári­o, do amor. Resolveu publicá-lo num singelo volume de autor, Modos de (No) Entrar a Casa, e deu nas vistas, sobretudo depois de inspirar uma campanha publicitár­ia de um banco, para vender andares a jovens. Achou irónico, claro, e conta-o em Irmão de Gelo, de que os críticos elogiam a capacidade para combinar a precisão documental de histórias reais de explorador­es polares (Robert Cook e Peary, Shackleton ou o inventor da neve artificial) com narrativas pessoais, ancoradas na sua autobiogra­fia – da falta de diálogo com os pais aos falhanços amorosos e à relação especial com o irmão “que não é de gelo”, como ressalva na dedicatóri­a, e a quem sempre protegeu, embora seja mais velho, por ser deficiente. Links da Wikipédia, ilustraçõe­s originais e reflexões sobre políticas sociais e o nosso tempo de pressa e tecnologia, em que todos estão ligados mas ninguém comunica, e humor e lirismo em doses iguais, enriquecem este romance singular que revela como é, hoje, a vida dos trintões – precária e muito aquém das expectativ­as com que cresceram –, mudando de registo quase a cada capítulo. Ou seja, é para leitores fartos de obras convencion­ais.

OS CRÍTICOS ELOGIAM A CAPACIDADE PARA COMBINAR A PRECISÃO DOCUMENTAL DE HISTÓRIAS REAIS COM NARRATIVAS PESSOAIS

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