SÁBADO

ADALBERTO CAMPOS FERNANDES: O MINISTRO MAIS IMPOPULAR

Há uma greve de médicos a caminho; Centeno acusa a Saúde de má gestão; e não há dinheiro – e Adalberto Campos Fernandes, que dorme pouco e lê o FinancialT­imes, até sabe disso.

- PorAndréRi­to

Caso após caso, o Ministério da Saúde vive sob fogo: como resiste o titular da pasta que, até o próprio admite, é sempre “o bombo da festa”?

Adalberto Campos Fernandes não tem praticamen­te cabelos brancos. O que origina piadas de alguns amigos: como é que consegue, estando sempre debaixo de fogo e nas primeiras páginas dos jornais? Já houve amigos a provocá-lo com a hipótese de haver tinta a explicar o mistério. E ele respondeu que aguenta tudo e sem cabelos brancos. Tem aguentado e não se mostra abatido. Aos 59 anos, o homem que há já alguns estava para ser ministro já o é – e não está a ser nada fácil. O Ministério vive em modo de crise, com acusações permanente­s de nada resolver, de anunciar concursos que se atrasam, de tutelar um serviço nacional de saúde (SNS) onde oposição e sindicatos reclamam por falta de meios, pessoal e dinheiro. O alvo é ele. Nos debates quinzenais, quando Assunção Cristas, do CDS, insiste, um após outro, com situações caricatas como pedidos aos utentes para levar lençóis para hospitais públicos, é António Costa que responde, mas o alvo é de novo, ele. Nas últimas semanas ficou outra vez em cheque, sobretudo no estranho desarranjo público com Mário Centeno, o titular das Finanças. Nas próximas semanas, continuará sob fogo: há pré-aviso de greve dos médicos para Maio. Na semana passada, pareceu conformado quando disse que o ministro da Saúde é uma “válvula de descompres­são dos governos, de bombo da festa político”. No passado sábado, 7, Dia Mundial da Saúde – e a um mês da greve de três dias agendada pelos médicos –, Adalberto Campos Fernandes disse que a exigência de dinheiro

é “impossível de satisfazer (…) face às necessidad­es” do sector. Ou seja, o dinheiro nunca chega. E pôs o dedo na própria ferida: não se pense que “as dificuldad­es acabaram ontem” e que “o ministro da Saúde não tem mais dinheiro apenas e só porque terá um problema com o ministro das Finanças”. Terá?

Há indícios públicos. Em meados de Março, na Comissão Parlamenta­r de Trabalho e Segurança Social, confrontad­o com o aumento da dívida pública em 627 milhões de euros, Mário Centeno reencaminh­ou a crítica para Campos Fernandes: “São questões que nos preocupam, que vão ser resolvidas, que estão a ser resolvidas. Criámos uma unidade de missão para repensar todo o processo de criação de dívida no SNS.” E porquê? Porque “só há dívida quando há despesa. Não pode haver é as duas coisas. Porque os recursos que estão a ser dedicados ao SNS são muito superiores aos que eram em 2015 e pode segurament­e haver má gestão. Haverá e temos de olhar para ela.” Adalberto não tinha defesa: tinha admitido um mês antes que havia uma “quantidade significat­iva” de hospitais em “falência técnica”.

Mas houve mais: a unidade de missão para controlar a despesa na Saúde parece pôr Campos Fernandes sob a alçada das Finanças. Mas o próprio desmentiu, dizendo que afinal a ideia até tinha sido dele. Mas também já se queixou de Centeno em público. Por exemplo, numa das polémicas do mandato, o atraso de quase um ano no concurso para recrutamen­to de médicos recém-especialis­tas, acusou o colega: “São precisas duas assinatura­s e um despacho conjunto. Este ano há um atraso maior porque o processo está no Ministério das Finanças à espera de ser concluído.” Apesar da quase afronta à estrela maior do Governo, fontes socialista­s garantem que o ministro mantém o respeito institucio­nal. E até que o relacionam­ento entre os dois será menos tenso do que estes episódios podem fazer supor. Adalberto encaixou abertament­e a má gestão: “É evidente que existe.” Mas, em privado, tem tido por vezes um ou outro telefonema de desabafo com alguns mais próximos, em dossiês concretos, com queixas de Centeno. E numa reunião com deputados do PS, chegou a dizer que “o Ronaldo do Eurogrupo de vez em quando faz umas fintas”. No entanto, quem conhece bem o ministro garante que a exigência financeira não o aflige. Pelo contrário. Ainda hoje, no hospital de Santa Maria, alguns directores de serviço recordam a dureza do agora ministro quando presidiu à instituiçã­o: “Chamava os directores de serviço, pressionav­a, questionav­a.” Exigia rigor e poupança – à Centeno. E tinha fama de ter mau feitio. Há outro indícios: já como ministro, nas reuniões com parceiros do sector, chegou a dizer, pedindo paciência por não atender a exigências, que era “a reputação do País que estava em causa”. Centeno não diria melhor. Ou seja, a esse nível, os dois entender-se-ão – mesmo com divergênci­as pontuais. Confrontad­o no parlamento sobre as restrições orçamentai­s Campos Fernandes respondeu assim: “Somos todos Centeno.” E diz às vezes, em tom satisfeito, que deve ser o único ministro da Saúde da Europa que lê todos os dias o Financial Times. Já lia, antes de ser colega de Centeno.

Exigente e workaholic

Depois de uma carreira intensa ligada à gestão hospitalar, este médico sem consultóri­o é o nome mais criticado e elogiado na Saúde. Estranho? O percurso ajuda a explicar: há muito que se dizia que Adalberto Campos Fernandes chegaria à pasta da Saúde. Um nome consensual, apesar de se ter tornado mais próximo do PS no consulado de António José Seguro – che-

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“Somos todos Centeno”, garantiu o ministro da Saúde para exprimir a sua atenção ao rigor financeiro
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Não foi só um momento institucio­nal: Marcelo Rebelo de Sousa e o ministro conhecem-se bem e trocam SMS fora de horas
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Ossos do ofício: visitas a alguns laboratóri­os e serviços hospitalar­es obrigam a farda adequada

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