José Pacheco Pereira
A proposta de Centeno, com argumentos tecnocráticos de uniformização e normalização – “alinhavam-se assim os ciclos políticos” –, de mudar a data das eleições legislativas para as realizar no mesmo dia das europeias, é inaceitável se os portugueses ainda quiserem ter um País independente e uma política democrática. A proposta foi recebida com bastante indiferença e foi apenas discutida do ponto de vista instrumental da antecipação das legislativas e do seu efeito nos partidos políticos, mas a proposta é mais uma tentativa de tornar cada vez menos autónomo o processo democrático nacional a favor de calendários europeus supranacionais. Ela acabará por fazer subsumir a discussão europeia, já de si muito escassa, nos temas nacionais, apagando as fronteiras entre a política interna e um aspecto relevante, mas não único, da política externa. É aliás parte da tentativa de as tratar não como política externa, que são, mas como um qualquer prolongamento da política interna, com o mesmo estatuto de legitimidade. Como se sabe, as eleições europeias caracterizam-se normalmente pela enorme abstenção, espelho da inutilidade que a maioria dos cidadãos lhes atribui, com a consequente diminuição do factor de legitimação que as eleições constituem. E, mesmo assim, quando participam, os eleitores fazem-no em função do seu papel de eleições de segunda ordem que permitem punir ou apoiar um governo em funções. Há quem argumente que um exemplo do passado, em que as eleições foram simultâneas, mostrou que o eleitorado as distinguia. Mas foi num passado em as questões europeias eram de natureza muito diferente da que hoje têm, e em que a distinção se fez pelos candidatos.
“Alinhar” a política portuguesa pelos ciclos europeus, ou seja pelas eleições noutros países, é uma pura abstracção, como muitas que disfarçam a realidade muito pouco democrática da União Europeia, mas tem o efeito perverso de dar aos partidos do “bloco central” europeu, o argu-
mento de que as suas políticas europeias tem a mesma legitimação que as suas políticas nacionais, mesmo quando nunca foram discutidas. E na verdade não tem: existe um enorme défice democrático no processo europeu, com a assunção de que são “regras europeias” regras que não o são, com a submissão a uma instituição como o Eurogrupo que não é uma instituição da União e não tem funcionamento democrático, e por fim, pela continuada aceitação da perda de soberania parlamentar, que nunca nenhum português votou ou decidiu. Por tudo isto, a proposta de Centeno, que é hoje mais um burocrata europeu do que um ministro português, é inaceitável.
Mais baixaria no futebol
À data em que escrevo, em todos os noticiários da rádio e da televisão, antes de chegar a uma notícia que preste – e infelizmente o mundo está cheio delas segundo o princípio de que só as más noticias são notícias –, temos que passar por uma logomaquia a propósito de uma “crise” de um clube de futebol. As personagens da “crise” digladiam-se no Facebook e nas “redes sociais”, o que já seria indicativo de que a coisa não presta, em conferências de imprensa e em comunicados, atacando-se uns aos outros com violência verbal, o que no meio da baixaria futebolística é meio caminho andado para a violência física. Eu nem quero saber do que se trata, só me queixo de o tempo que podia ser útil para informar estar empestado com estes miasmas. Será que alguém pensa que isto é mesmo importante para a Nação, para Portugal, para os portugueses?
É só uma questão de tempo
…até qualquer uma das desregulações que Trump está a fazer dê terrivelmente para o torto. Claro que há um excesso regulatório a que se devia por termo. Mas o que Trump está a fazer – e essa é uma das mais importantes razões do aplauso nos meios dos negócios – é deitar fora o menino com a água do banho. E aqui o menino em certas áreas, do ambiente em geral, segurança, controlo das indústrias perigosas, controlo da especulação financeira, pode dar origem a perigosas situações. Como seria o incêndio da Trump Tower se não houvesse sistemas antifogo “regulatórios” e contra os quais Trump se bateu? Trump não os colocou na origem, porque a lei não o obrigava à data da construção da Torre, e depois, como sempre, umas vezes colocou-os nos seus prédios, outras não. O seu companheiro republicano e apoiante Giuliani não quis aprovar regulamentos que tornassem obrigatório esses sistemas em prédios mais antigos porque ficava “muito caro”. O homem que morreu no incêndio vivia num apartamento sem sistemas automáticos antifogos.