SÁBADO

Insultar nas redes sociais implica risco judicial

Há um caso na justiça em Cascais, em que o queixoso é o jornalista Nuno Luz. Mas já houve outros. Nem tudo se pode escrever online.

- Por Augusto Freitas de Sousa

OTribunald­e Cascais vai apreciar a queixa do jornalista da SIC Nuno Luz sobre um caso de alegada difamação com base num comentário na rede social Facebook. Segundo a acusação, a que a SÁBADO teve acesso, o profission­al da comunicaçã­o queixa-se que o professor Tiago Ferreira destacou um artigo seu no jornal espanhol Marca, acusou-o de plágio e acrescento­u: “O Nuno Luz copiou-a e vendeu-a à Marca porque é um filho da puta.”

O caso começa com a publicação no Observador em 2016, por um jornalista, antigo jogador de futebol, de um artigo com histórias que se tinham passado, entre outros, com Kasper Schmeichel, actual guarda-redes do campeão de Inglaterra de há duas épocas, o Leicester. Entre outros relatos, passados no seio do Estoril na época 2000-2001, o texto mencionava o ódio que o jogador teria ao internacio­nal Luís Figo por causa de um golo que o português marcou ao pai, Peter Schmeichel. Dias depois, Nuno Luz escreveu um artigo para o jornal desportivo Marca, onde também referia a animosidad­e de Kasper Schmeichel, mas segundo a defesa do caso, sem qualquer referência ao Observador.

A defesa de Tiago Ferreira insistiu que o caso foi alvo de centenas de comentário­s nas redes

COM UMA OFENSA PESSOAL, UM PROFESSOR ACUSOU NUNO LUZ DE TER PLAGIADO UM TEXTO QUE PUBLICOU NO JORNAL MARCA

sociais, que os colegas jornalista­s o replicaram e ainda que mereceu a resposta do jornalista da SIC numa das plataforma­s. Nuno Luz teria observado que já era jornalista

em 2001, e que teria falado com Kasper Schmeichel. Uma declaração que a defesa garante (juntou impressões em papel) ter posteriorm­ente apagado das redes sociais. Os defensores do professor referem ainda que mais tarde o texto da Marca foi também alterado online – e que na nova versão foi incluída a referência ao órgão de comunicaçã­o português.

A acusação respondeu que foi o editor do jornal desportivo espanhol que alterou o texto de Nuno Luz. Recusa a acusação de plágio e imputa, em acusação particular contra Tiago Ferreira, dois crimes de difamação agravada e pede uma indemnizaç­ão de 2.500 euros. O caso acabaria por não ser acompanhad­o pelo Ministério Público e o Tribunal de Cascais decidiu arquivá-lo. O queixoso recorreu para o Tribunal da Relação que, em Março deste ano, lhe deu razão remetendo de novo o processo para o Tribunal de Cascais.

Casos pelo País, mas com outros contornos

Os casos de difamação e de outros crimes têm-se sucedido nos tribunais em Portugal mas – apurou a

SÁBADO junto do Supremo Tribunal de Justiça – não haverá naquele tribunal qualquer decisão relativame­nte ao crime de difamação com base em redes sociais. O que parece ser o único caso do género a passar pelo Supremo diz respeito a uma queixa da autarquia de Valongo contra um antigo membro da Assembleia Municipal que foi acusado de difamar autarcas e um organismo público, mas num blogue que criou que em 2014. Este caso chegou ao Tribunal da Relação do Porto, que decidiu a favor do acusado. A autarquia recorreu para o Supremo para que se pronuncias­se, alegando que a Relação de Évora tinha decidido em sentido contrário num caso semelhante. Todavia, o Supremo não considerou que as decisões de ambos os tribunais se opusessem e por isso rejeitou o recurso.

Em mais um caso semelhante, em Junho passado um cidadão foi condenado por difamação agravada, no Tribunal de Beja, a uma multa de 1.200 euros por ofensas à presidente da União de Freguesias de Albernoa e Trindade, depois de um comentário na página daquela autarquia.

Em 2017, em Santarém, uma técnica de turismo foi condenada por difamação por ter comentado na página do Facebook da antiga empresa que o gerente não pagava a funcionári­os e a fornecedor­es. Am- bos os casos em primeira instância. Ainda no mesmo ano, o tribunal da Relação do Porto deu razão a dois irmãos sócios de uma empresa em Angola que fizeram uma parceria com um homem que, após ter terminado a relação, foi condenado por ter publicado no Facebook várias declaraçõe­s e comentário­s sobre os empresário­s. Advogados consultado­s pela SÁBADO sugerem que parece haver uma inclinação dos juízes portuguese­s para a defesa da honra em prejuízo da liberdade de expressão, o que de resto tem merecido a condenação de Portugal em inúmeros casos por parte do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Mas muitos outros casos, fora da União Europeia, contrastam com as decisões do TEHD (ver caixa).

Crime, mas nem sempre

Para o advogado Correia de Almeida, especialis­ta em Direito Penal, a gravidade da expressão “filho da puta” no Facebook depende das circunstân­cias, do autor e do visado. Para ser um “ilícito criminal tem de ser analisado e ponderado o elemento subjectivo”. Basta ver, observa, que “numa das séries mais populares da Netflix todos se tratam assim sem que nenhum entenda como ofensivo. Mas se chamar ‘cabrão’ isso já pode originar violência. Ou será igual essa expressão por alguém que reside no Norte e por alguém que reside no Sul? Por esse motivo, as circunstân­cias e o elemento subjectivo inerente são fundamenta­is a obter a resposta.” O jurista garante que há cada vez mais casos nas redes sociais “de alunos que não gostam das notas dos professore­s e os insultam, litígios com bancos e seguradora­s, divórcios e crises de ciúmes entre casais. Atitudes transversa­is a todas as classes sociais e graus de educação”. No resumo de Correia de Almeida, “a lei é adequada”, mas ao mesmo tempo “esta é uma realidade em crescendo e deve haver alertas e campanhas de sensibiliz­ação para os riscos que estas condutas podem ter”.

O FENÓMENO ESTÁ A CRESCER: DE ALUNOS QUE INSULTAM PROFESSORE­S A CASAIS EM DIVÓRCIO DEVE HAVER ALERTAS “PARA OS RISCOS QUE ESTAS CONDUTAS PODEM TER”, DIZ CORREIA DE ALMEIDA

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