Vahé: ele cuida dos jardins de Claude Monet
A uma hora de Paris fica o jardim do pintor, que a UNESCO quer classificar e proteger. Quem cuida dele há 40 anos, correndo risco de divórcio, é Gilbert Vahé.
Queria ser especialista em orquídeas. Nunca imaginou que seria o responsável pela reconstrução dos jardins do pintor Claude Monet – eternizados nos seus quadros mas deixados ao abandono pelos herdeiros. Gilbert Vahé acorda de madrugada, anda sempre com as unhas cheias de terra e a mulher já o ameaçou várias vezes com o divórcio, tal não é a sua devoção. Reformou-se duas vezes, mas voltou sempre. “Como posso fazer este trabalho se não der tudo de mim? É uma questão de honra”, disse ao Le Figaro.
Mas o jardineiro nunca pensou que, depois de lutar no Maio de 68 contra o regime, seria ao lado do curador Gérald Van der Kemp – que trabalhou com o Presidente francês De Gaulle – que iria encontrar uma missão: reconstruir os jardins de Giverny. É que nenhuma das plantas de Monet sobreviveu. Ficaram todas cobertas por ervas daninhas. A famosa ponte japonesa, de quadros como Le pont japonais, caiu e o lago foi destruído por lontras. Claude Monet viveu 43 anos em Giverny, a 75 quilómetros de Paris, na Normandia, e quando morreu, em 1926, deixou a propriedade aos herdeiros. Mas nunca mais ninguém tratou os jardins com a dedicação do pintor, que os viu até como uma forma de resistência à I Guerra Mundial. “Se aqueles selvagens (alemães) quiserem matar-me, pois que o façam quando eu estiver no meio das minhas telas e em frente ao meu trabalho”, escreveu em 1914. Foi ele que concebeu tudo e criou dois jardins – o de água (que tem de estar a uma temperatura de 16 eo clos normand (a tapada normanda, com pérgolas e trepadeiras de glicínias e rosas).
É desta que aprende a pintar?
O filho Michel Monet, que raramente visitava Giverny, que vemos em obras como Le Bassin aux nymphéas, doou a propriedade de um hectare à Academia de Belas-Artes de Paris, quando morreu em 1966. Objectivo: ser um museu. Só uma década depois, Van der Kemp, – conhecido por restaurar Versalhes e evitar que Mona Lisa fosse destruída pelos nazis (escondeu-a no seu quarto durante a invasão) – conseguiu angariar o dinheiro suficiente e tornou-se no primeiro director da Fundação Claude Monet. Foram quatro anos de reconstrução, com Vahé à frente de tudo, e Van der Kemp a investigar como era
“COMO É QUE POSSO FAZER ESTE TRABALHO SE NÃO DER TUDO DE MIM? É UMA QUESTÃO DE HONRA”, DIZ VAHÉ
o jardim, através de quadros, cartas e fotografias. Vahé, de 69 anos, tem hoje uma equipa de 10 jardineiros que começa a trabalhar às 7h. Os dias são passados a regar, a ordenar sementes e bolbos para as temporadas seguintes, e é no escritório que passa grande parte do seu tempo – pode ser a encomendar flores do Japão ou dos Estados Unidos. Fotografa todas as semanas os canteiros, para saber como evoluem. “É um desafio quotidiano. Por exemplo, no caminho central, Monet criou-o cheio de lírios, que só se dão entre 15 de Maio e 15 de Junho. Tivemos de plantar mais quatro filas, para termos mais”, explica Vahé numa entrevista ao site da fundação.
Mas existem outras preocupações, como os turistas, classificados por Vahé como doentes do toque. “Alguns sem se darem conta, tocam, mexem... E os botânicos cortam ou até deixam escorregar para os seus bolsos sementes.” Os jardins – que eram desconhecidos até aos anos 70 – são agora local de romaria com 500 mil visitantes por ano. Todos dizem que se sentem a entrar num quadro de Monet. O artista não deixava nada ao acaso no seu jardim e pensava em cada canteiro de forma organizada, para que todo o ano houvesse cor. Vahé também tem os seus truques: colocar flores amarelas e brancas, em cada área mais escura. O jardineiro nunca pintou, apesar de ter tentado várias vezes ter aulas. Parece que é este mês que vai conseguir fazer mais do que seis lições. É que Jean-Marie Avisard, na fundação desde 1988, foi escolhido como jardineiro-chefe, com Vahé como consultor, claro. O francês garante que não irá fazer grandes mudanças. Tudo para que Giverny se mantenha como o filósofo Marcel Proust o descreveu: “Uma transposição da arte.” E ainda para que consiga o que o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, anunciou no Verão passado: ser Património Mundial da UNESCO.
NÃO SOBROU UMA PLANTA DO TEMPO DE MONET. ESTAVA TUDO DESTRUÍDO, ATÉ A PONTE