SÁBADO

A amizade não correspond­ida

- Ângela Marques Jornalista

De guardanapo de pano no colo, eu estava a ser tratada como se fosse a

Beatriz Costa (era um desses restaurant­es) e olhava o peito e as pernas daquele frango de churrasco como se fosse o Evaristo (“já viste isto?”, perguntei ao meu amigo). De repente, os olhos verdes dele fizeram faísca e como numa descarga eléctrica – meio pico de tensão meio espasmo –, ele disse o que ninguém esperava que ele dissesse. “Prefiro viajar sozinho. A probabilid­ade de ir com alguém mais interessan­te do que eu é mínima, por isso, prefiro viajar sozinho”, disse ele. “A probabilid­ade é mínima”, repetiu. Os outros riram. Eu fiquei a pensar que a humildade também é isto: admitir os nossos limites. O dele senta-se no lugar do pendura. Enquanto comíamos e discorríam­os sobre o que preferimos – ser mais ou menos consciente­s das nossas virtudes diante das dos outros –, pensei que já antes tínhamos falado sobre isto de sermos amigos de pessoas que querem muito ser nossas amigas. Elas estão em todo lado: na rua, quando, podendo, não fingem que não nos conhecem; mas também nas redes sociais, quando nos tagam em tudo a propósito de nada. Na altura ele tinha um problema: um daqueles amigos que quando se sente grato ao universo agradece aos amigos – a todos. O meu amigo ficava embaraçado com tanta gratidão – sentia que estava numa amizade não correspond­ida. Tentei descansá-lo: as redes sociais estão cheias de buracos, ele havia de conseguir cair num em que a falta do seu like nem se notasse.

No fim do almoço, voltámos ao tema: então preferimos estar sozinhos? De alma cheia e copos vazios, atirámos a tacanhez para o prato dos ossos e concordámo­s: à mesa ou na estrada, é sempre melhor estarmos juntos.

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