Deus tem as costas largas
No fim-de-semana fui a Fátima. Sou um crente por natureza e um
católico por acidente – a fé é um processo essencialmente inexplicável, mas a religião tem raízes culturais muito precisas: caso não tivesse crescido em Santo Ildefonso, no Porto, de uma família de católicos praticantes, talvez me virasse para Meca cinco vezes ao dia. Detesto a esmagadora componente ritualista da Igreja em geral, e o arrebanhado populismo que o arcebispado luso pratica no santuário de Fátima, transformando-o em Bollywood da Nossa Senhora.
A fé é uma relação solitária com Deus (ou com Odin, ou com um arbusto que arde, ou com a energia escura que sustém o Universo). Dependendo de cada ocasião, dispensa intermediários ou, por vezes, necessita de um espaço de partilha. Foi o meu caso. Mas mesmo na – por vezes – fátua monumentalidade de Fátima, preciso de algum isolamento. Tive azar: cheguei em plena missa na capela, ministrada por um idiota que aproveitou o palco para desancar “na lei aprovada em Portugal que permite a crianças de 16 anos mudar de sexo sem o consentimento dos pais; é isto que querem para os vossos filhos?”.
Sua Cretina Eminência, que deve ter levado pancada de criar bicho quando era moço, além de ser um mentiroso solene (a mudança é no Registo Civil e requer autorização dos pais até à maioridade), tem tanto pavor do sexo, esse glorioso sacramento, como a longuíssima fila de padrecos que o antecedem desde o Cardeal D. Henrique. Mas prega em nome de Deus, que continua a ter as costas mais largas do que Lebron James. Não é fácil ter fé no século XXI. Mas é mais difícil ser católico.