A RAPARIGA NO NEVOEIRO
A VAIDADE MATA
Escrever romances e realizar filmes são duas tarefas tão diferentes que espanta a húbris dos que se decidem a misturá-las. Donato Carrisi, após o êxito internacional do seu bestseller transalpino, escreve o guião e dirige a respectiva adaptação cinematográfica, mas talvez devesse ver antes 300 vezes o Duros Não Brincam
(1987) de Norman Mailer para perceber o risco do estampanço. Não que a A Rapariga no Nevoeiro seja desprovido de qualidades: policial arquetípico, mergulha na história da investigação ao desaparecimento de Anna Lou, miúda de 15 anos, numa noite de nevoeiro dias antes do Natal. O detective, Vogel (Toni Servillo, um
habitué do universo de Paolo Sorrentino) é convenientemente dado à ambivalência, com métodos discutíveis, e o mecanismo escolhido é a clássica rede de flashbacks, a partir de uma conversa de Vogel com Augusto Flores (Jean Reno num italiano impecável), psicólogo há 30 anos residente na região montanhosa que serve de palco à intriga.
O timing de lançamento da informação ao espectador revela-se eficaz, como é imprescindível em qualquer noir, mas os clichés acumulam-se como cadáveres na neve, do puto munido da indispensável câmara de vídeo, obcecado pela desaparecida, à comunidade religiosa local – totalmente desaproveitada no seu potencial dramático –, passando pela repórter de tablóide e pelos suspeitos do costume (Alessio Boni, de A Melhor Juventude, irreconhecível sob barba espessa). Resultado: após mais de duas horas, ficamos tão exasperados como Vogel.