Quanto custam as festas do 25 de Abril
Ponto alto do calendário autárquico de espectáculos à borla, há clássicos que até sobem o cachetnesta altura. E há câmaras que nem sabem bem quanto gastam. “Mais ou menos” o mesmo do ano passado...
VÁRIAS CÂMARAS, COMO LOURES OU LISBOA, NÃO DIZEM OU NÃO SABEM QUANTO GASTARÃO ESTE ANO
ACâmara Municipal do Barreiro (PS) oferece, este ano, o concerto de Miguel Araújo: custa 26.700 euros, para palco, concerto e som. Somam-se os torneios desportivos, o teatro, a exposição e o desfile, ainda por contabilizar. André Pinotes Batista, o socialista que preside à Assembleia Municipal do Barreiro, explica que a autarquia não espera um retorno do investimento, mas sim comemorar a data. “Em cada localidade, há datas que são mais queridas, há sítios onde os santos populares são muito importantes, outros em que o dia da cidade é muito importante. No Barreiro, o 25 de Abril é muito importante”, diz. Pinotes Baptista tem esperança de que o esforço compense, de alguma forma: “Se vier o Miguel Araújo, temos milhares de pessoas a ver e sai mais barato.” Haverá animação da actividade económica. Miguel Araújo, por coincidência, já actuou no Barreiro, a 12 de Fevereiro, no auditório municipal: o bilhete custava 12,50 euros. E vai actuar, por exemplo, em Sesimbra a 30 de Junho – cada bilhete custa 15 euros. É claro que no Barreiro há brinde: segue-se à actuação o discurso do presidente da câmara, Frederico Rosa. Política e festa andam de mãos dadas em Abril, sobretudo nos concelhos maiores ou com maior peso histórico do PCP, como o Barreiro – mas não só. E o mercado não tem afrouxado nos últimos anos. Pelo contrário, tornou-se época alta para concertos à borla – para quem vai assistir, não necessariamente para o contribuinte em geral – e há cantores de intervenção que até sobem os preços, a atestar que a procura é maior neste dia. Um concerto de Janita Salomé, por exemplo, sobe 10% nos dias 24 e 25 de Abril. Já Sérgio Godinho não mexe no preço – mas se o espectáculo for ao ar livre os custos são mais elevados. Há artistas com trabalho certo em Abril: Fernando Tordo, Sérgio Godinho, Vitorino, Janita Salomé e Brigada Victor Jara são presenças assíduas nas festas da revolução. “Foi o acontecimento mais importante da minha vida”, diz Vitorino, que tem agendados para este mês nada menos que 17 concertos. Depois de umas rápidas contas de cabeça, explica que a Segunda Guerra Mundial foi esquecida em 47 anos. Alegra-se que, passados 44 anos, se continue a comemorar com empenho aquela que considera uma revolução muito romântica, com cravos e muita música. A música mantém-se e é uma constante nos múltiplos cartazes. Em Grândola (PS), até ao fim do mês, haverá um concerto da banda Quinta do Bill (dia 24), e eventos bastante variados: apresentação de dois livros, exibição de filmes, um debate e uma corrida. A mostra gastronómica Em Abril, Flores Mil, que vai na quarta edição: 14 restaurantes oferecem opções como javali em redução de vinho tinto e alecrim, dois purés e pétalas de rosa ou abacaxi com camarão e amores-perfeitos. A câmara indica ter investido cerca de 40 mil euros, valor semelhante ao de 2017. Pouco menos gasta a Câmara de Sesimbra (PCP): €38.412,50, para concertos de Camané e Samuel Úria, fogo-de-artifício e um piquenique. Em Setúbal (PCP), a autarquia optou por um concerto dos UHF – cujo vocalista, António Maria Ribeiro, é companheiro da presidente da câmara, Maria das Dores Meira – na Praça do Bocage (a principal da cidade). O grupo levará convidados do novo disco (A Herança do Andarilho) baseado na obra de Zeca Afonso,
Q como Samuel, José Jorge Letria e Armando Teixeira. A autarquia informou que como as comemorações “são muito diversificadas e com o envolvimento de várias juntas de freguesia e colectividades, é impossível indicar os custos globais” em todo o concelho. Foi então solicitado um valor apenas para Setúbal, mas já não houve resposta.
Em Almada (que passou a ser PS nas últimas eleições autárquicas), a câmara responde que “não está apurado o valor final” das comemorações, porque “há aquisições ainda em curso”. Aparentemente, não há orçamento pré-definido. Estão previstos concertos dos Xutos e Pontapés e de Gisela João, fogo de artifício e uma exposição. Em 2017, a autarquia gastou pelo menos 74.500 euros, divididos em três contratos por ajuste directo (de 42.500, 11.000 e 21.000 euros).
Festas, festinhas e festanças
O Seixal (PCP) assume sem subterfúgios que terá custos maiores: sob o mote Com as Cores de Abril Pintamos o Futuro, há concertos de Áurea e dos Anjos com os irmãos Feist, ente outros, mas também um passeio de bicicleta e ateliês. Tudo junto, custou à Câmara cerca de 80 mil euros. “As Comemorações do 25 de Abril são de livre acesso à população, pois entendemos a valorização da cultura como pilar fundamental para o fortalecimento do sentido de pertença à comunidade”, explica fonte oficial da autarquia. Acrescenta ainda que o acesso à Cultura “é um direito consagraNos dois principais municípios, Lisboa (PS) segue a linha da falta de contas. O gabinete de comunicação respondeu à SÁBADO que ainda não tinha acesso ao que se vai fazer – a uma semana das comemorações, e quando os eventos estão já publicitados. Se 2017 servir de referência, a EGEAC, a empresa municipal que gere a cultura em Lisboa, publicou então contratos no valor total de 125.950 euros. Os deste ano ainda não estão publicados.
E o Porto (governado pela coligação independente liderada por Rui Moreira) calcula gastar este ano 31 mil euros nas festividades.
A cor política ou a história partidária de um concelho não é norma exclusiva para determinar festejos mais a sério. Em Viseu, ex-cavaquistão, uma câmara PSD, a estrela é Vitorino, com um sexteto instrumental. Há uma sessão solene de homenagem ao Regimento de Infantaria de Viseu e aos militares da Revolução e espectáculos temáticos para os mais novos. O preço: 18 mil euros. Vários dos artistas mais presentes nas comemorações reiteram a importância de celebrar Abril – até de forma mais aberta e convicta do
que as próprias autarquias contactadas pela SÁBADO. Fernando Tordo lembra que foi nas escadas do cinema São Jorge que assistiu a agentes da polícia a pedirem as licenças de uso de isqueiro, acabando por prender uma pessoa que não a tinha. “Sabe o que é uma pessoa ter de ter licença para usar um isqueiro? É uma coisa que não passa pela cabeça de ninguém, mas que aconteceu”, aponta. E acrescenta: “É uma data que nos tira de uma situação miserável. Se se pode celebrar, que se celebre, cada vez mais.”
Também Vitorino aponta a importância da memória, e que ela seja evocada a cantar: “Nós acompanhávamos tudo a cantar, em cima dos tanques e em cima dos tractores”, recorda. O músico acha importante explicar aos que não viveram a revolução que quem desse um beijo ao namorado na rua era multado e que havia escolas masculinas e femininas. “É uma comemoração do povo português e uma alegria indescritível. Vale a pena festejar por isso”, sublinha.
Com semelhante nostalgia, Janita Salomé, irmão de Vitorino, acaba de ensaiar para um concerto no dia 24 de Abril, em Silves (PCP). Parte do repertório que vai apresentar é de Zeca Afonso. “Vem-me tanta coisa à memória nestas músicas”, conta. “Afinal o 25 de Abril faz com que lembremos não só a explosão de alegria e esperança, mas o que foi todo esse período negro.” Já tentou, várias vezes, ler os depoimentos dos que estiveram presos e foram torturados, mas não consegue, desiste sempre: “Vêm-me as lágrimas aos olhos.” Lembra que, nas escolas, os alunos deviam saber mais sobre a revolução, do mesmo modo como sabem quem foi D. Afonso Henriques ou o Marquês de Pombal, “mas parece que isso ainda é um tabu”. Com o passar dos anos, continua a encher salas nos concertos de Abril e diz que, enquanto assim for, a memória está viva. “Se eu contribuir enquanto for cantor, enquanto puder, enquanto tiver voz e capacidade, hei-de fazê-lo”, diz.